Não convidem para uma mesma pelada o suíço Joseph Blatter e o escocês Andrew Jennings. O agora ex-presidente da Fifa – renunciou ao cargo nesta terça-feira, depois de ter sido eleito para um quinto mandato – seria capaz de não respeitar o fair play que tanto pregava em discursos e, se as condições físicas permitissem, daria um carrinho por trás no jornalista investigativo do Daily Mail e da BBC. Jennings sempre foi um marcador feroz das jogadas de Blatter desde que o dirigente assumiu o cargo de uma entidade com 209 filiados e uma arrecadação que é uma verdadeira caixa-preta. Apesar dos insistentes pedidos de esclarecimento, Blatter sempre driblou Jennings e a justiça de diversos países sobre o quanto recebia de salários e incentivos e, principalmente, a respeito das denúncias de corrupção envolvendo a alta cúpula da Fifa.
Hotéis cinco estrelas, Mercedes na porta, diárias de US$ 500 e acesso a políticos e empresários que abriria todas as portas possíveis. O cotidiano de Blatter e seu time é narrado em forma de romance policial por Jennings em dois livros lançados no Brasil pela editora Panda Books, Jogo Sujo (2011) e Um Jogo Cada Vez Mais Sujo (2014). O primeiro mostra em 352 páginas como a Fifa mudou de foco após a Copa de 1974 na Alemanha, com a eleição do brasileiro João Havelange. Na verdade, nos bastidores, quem controlava tudo e pagava a todos era Horst Dassler, o manda-chuva da Adidas. Começa a haver uma guerra pelos direitos de merchandising e transmissão dos jogos e o dinheiro começou a entrar – às vezes ficava no vestiário mesmo – em campo. Quem não aceitasse entrar no jogo da propina era expulso.
O livro mais recente de Jennings tem 240 páginas e o foco na Copa do Mundo no Brasil. O que ocorreria no país era uma cópia do que havia acontecido quatro anos antes na África do Sul, com os dirigentes locais enchendo os bolsos e os governos gastando fortunas em estádios que logo ficariam inoperantes. No meio disso tudo, os chefões da Fifa impondo ordens como se estivessem acima das leis locais. Com a renúncia de Blatter – não se sabe ainda que tipo de poder ele manterá na Fifa – os livros de Jennings tornam-se mais atuais do que nunca, até porque seus dossiês ajudaram a justiça norte-americana a prender, na semana passada, sete dirigentes na Suíça, em acordo com o governo local. Show de bola no chão. E não no bolso.