Arco do Bom Jesus (1850), Matriz do Corpo Santo e Arco da Conceição (1913), Arco de Santo Antonio (1917). Em nome do progresso, monumentos históricos, mais do que religiosos, foram abaixo para dar lugar a avenidas. A destruição, em vez de se pensar em alternativas, era o reflexo do “vandalismo urbanístico” tão característico de brasileiros, pernambucanos e recifenses. No dia 20 de julho de 1952, um domingo, o Diario de Pernambuco publicava na capa da sua terceira seção – o caderno de cultura da época – a “reportagem da semana” assinada por Tadeu Rocha e com fotos de Murilo Guedes, onde a poesia era o preâmbulo para a denúncia da devastação urbanística. Os episódios passados, de acordo com o redator, serviriam de alerta para salvar o que ainda era possível. Neste caso, o Forte Orange, em Itamaracá, a mais bela fortaleza colonial do Nordeste tristemente abandonada.

Há 63 anos, era uma aventura visitar a fortaleza de Santa Cruz, nome oficial português da edificação. Os caminhos eram chegados a espinhos ou cortados pela maré. O tempo havia parado no lugar, onde os fantasmas faziam sentinela. A boa notícia é que o velho forte está ficando novamente novinho em folha. Está previsto para dezembro deste ano o término do restauro da fortaleza, ao custo de quase R$ 10 milhões. Até uma Porta Holandesa, voltada para o Canal de Santa Cruz, foi descoberta. Um belo fim para esta história. E que não seja a única. Abaixo, um trecho da reportagem de Tadeu Rocha. O original pode ser visto clicando mais abaixo.

FANTASMAS DE SENTINELAS NO FORTE ORANGE

Que temos nós, os brasileiros do Nordeste, com o legado que nos deixaram os forjadores deste pedaço do país? Olhemos para os nossos monumentos – os que ainda restam dos séculos 16, 17 e 18 – e reconheçamos a nossa culpa. As suas velhas paredes atestam o nosso desatino, que passou do abandono para chegar até a destruição. No caso pernambucano, se não é difícil determinar a época do início desse abandono, ainda é mais fácil ficar a data dos começos do vandalismo urbanístico – 10 de maio de 1850 – quando veio abaixo o Arco do Bom Jesus.
Mas não foi sem protesto que esse velho e falso urbanismo abateu a “Porta do Recife”. O povo ficou desgostoso e as elites reclamaram publicamente, como fez o padre Francisco Ferreira Barreto – o afamado Vigário Barreto – neste tremendo libelo:

A DEMOLIÇÃO DO ARCO E DA CAPELA DO BOM JESUS DAS PORTAS

O martelo sacrílego esmigalha
O templo do Senhor Imaculado:
No céu retumba o eco
                     reprovado,
Oh! assombro… e lá mesmo a
                dor se espalha.

Retumba o eco na voraz
                       fornalha.
E Satã se revolve alvorotado:
Então audaz, de júbilo banhado.
Saúda e beija a répobra
                        canalha.

Oh! monstros! que ao Senhor
              fazeis a guerra!
Avante, avante, no funesto
                         ensaio:
Um só templo não fique sobre a
                       a terra.

A cólera dobrai… ela!
                      insultai-o!
Mas vede, que o furor da dextra
                         encerra
E que junto à bondade existe
                      o rumo.

Em nome do progresso, o vandalismo continuou. A fim de se abrirem, na península do Recife, duas feias e inúteis avenidas radiais (que vieram a congestionar o trânsito no bairro de Santo Antonio), foi abaixo a Matriz do Corpo Santo, em outubro de 1913. Nesse mesmo ano, poucos meses antes, já fôra demolido o Arco da Conceição. E quatro anos mais tarde arrasou-se o de Santo Antonio.
Odilon Nestor, num poema evocativo dos dois Arcos, que tantas vezes lhe repousaram a vista, “erguidos em capelas e serenamente iguais”, nos descreve essa devastação urbanística:

“Eu vi um arco, e outro depois,
                        tombar
Nova ponte se erguera
E já todo mundo esqueceu
as cândidas capelas
que abriram as suas janelas
todas de vidro para o céu.

E o poeta-engenheiro Joaquim Cardoso chora o seu Recife Morto, velado pelas estrelas da madrugada:

Recife,
ao clamor desta hora noturna e
                     mágica,
vejo-te morto, mutilado, grande,
pregado à cruz das novas
                   avenidas.
E as mãos longas e verdes
da madrugada
te acariciam.