Em Foco 0306

Estudo diz que o Brasil é o pior na aplicação de recursos do contribuinte, apesar de ser um dos que mais arrecadam. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quarta-feira, por Luce Pereira. A imagem que ilustra a página é de autoria de Greg.

Um país que só sabe cobrar

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Não pode existir sensação mais comum do que viajar a países nos quais o coletivo é levado muito a sério pelo poder público e retornar carregado de frustração ao Brasil, onde a realidade é exatamente o contrário. O contribuinte se sente um cidadão de quinta categoria, porque paga espantosa carga de impostos e não vê o retorno do dinheiro em obras e serviços. Quando acontece de sair algum estudo comparativo, aí a revolta ganha munição extra e o assunto passa a incomodar mais do que pedra no sapato. Caso de ontem, quando o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) lançou as conclusões do seu Carga Tributária/PIB x IDH – Cálculo do Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade. Foi um soco (mais um) no estômago dos que acabam pagando a conta pela fragilidade da economia: pela quinta vez consecutiva o país não conseguiu dar resposta compatível com o que arrecada e foi considerado o pior do planeta na prestação de serviços. A Austrália, o melhor.
Para chegar a resultados tão indigestos, o instituto analisou as trinta economias da Terra cuja carga tributária mais dói no bolso do cidadão comum e, entre as dezesseis primeiras, lá está o país carregando a vistosa lanterna que nos deixa numa evidência nada confortável aos olhos do mundo, pois o desastre não se limita à esfera federal, mas é dividido com governos estaduais e municipais. Surpreenderia ver a Alemanha tão perto da colocação brasileira (é a décima segunda entre as dezesseis), não fosse o país estar a anos-luz do Brasil em termos da aplicação de recursos públicos em favor dos habitantes. Esta proximidade é pura ilusão. Nem mesmo no próprio continente a performance nacional melhora, de vez que o Uruguai e a Argentina ocupam, respectivamente, a 11ª e a 13ª posições no ranking, que considera carga tributária em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Caso a informação tenha passado despercebida, neste emaranhado de números negativos que sufoca a economia brasileira, este ano a arrecadação tributária já superou os R$ 800 bilhões, enquanto as notícias apontam para um cenário capaz de produzir no cidadão estranho sentimento de estar financiando a própria desgraça: saúde, educação, segurança, transporte público, saneamento básico, tudo dá a impressão de que piora a cada dia, o que mexe não apenas no bolso, mas na autoestima. Afinal, nem mesmo o “anestésico” que sempre se encarregou de amenizar as cobranças aos gestores públicos – o futebol – tem conseguido bons resultados. Lembremos que a Seleção Brasileira protagonizou um dos maiores desastres de sua história durante o Mundial em casa e ainda deixou como legado estádios que não se pagam nem convencem quando o assunto é a relação custo x benefício. Isso sem falar no recente escândalo de corrupção envolvendo a Fifa, cujos tentáculos se lançam em direção à CBF.
A propósito de corrupção (continua endêmica, no caso do país), o contribuinte não se abate apenas com a possibilidade de o seu suado dinheiro estar sendo usado em experiências inócuas ou desastrosas – fruto de despreparo dos gestores –, mas, sobretudo, para alimentar o monstro que devora as reais possibilidades de crescimento do Brasil. Enquanto isso, a falta de transparência, naturalmente encarregada de esconder todas as respostas, não faz outra coisa senão rir de quem sonha com uma democracia saudável. Se temos uma, estudos assim sugerem que não é para o povo.