Em Foco 0406

A partir desta sexta-feira começa a operar um voo semanal entre Recife e Cabo Verde, país de belas praias (foto) e terra de Cesária Évora. Mas o que parece uma simples alternativa turística,  é na verdade uma porta aberta para a economia do Nordeste descobrir  o mercado africano. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco desta quinta-feira, por Vandeck Santiago.

Por que quero ir para a África

Vandeck Santiago (texto)

Se todas as vezes que você ouve falar em Cabo Verde associa o país apenas à lendária cantora Cesária Évora, fique atento que a partir de amanhã terá um novo tema para associar a referências cabo-verdianas. Nesta sexta-feira começa a operar um voo semanal entre o Recife e a cidade de Praia, capital do Cabo Verde. A duração da viagem é de 3h20, praticamente a mesma daqui para São Paulo. De lá para a Europa são mais 2h; há conexões diretas com Paris, Amsterdã e Lisboa, a preços menores do que os que pagamos hoje em voos de outras companhias.
Mas se falei na diva dos pés descalços, como Cesária era conhecida, e na possibilidade de turismo mais barato para a Europa, foi só para chamar sua atenção. O que eu quero falar mesmo é na importância econômica que essa ligação com a África pode ter para Pernambuco e para o Nordeste. A companhia que vai operar o voo é a Transportes Aéreos Cabo Verde (TACV), uma empresa estatal. Ela já tem um voo semanal entre Fortaleza e Cabo Verde. O do Recife estreia amanhã e dois outros estão já oficializados: um para Natal (RN), em outubro, e outro para João Pessoa (PB), em novembro. Serão ao todo quatro voos do Nordeste para a África.
Na prática, o que isso significa? Significa, primeiro, uma demonstração da nova etapa da economia e do desenvolvimento do Nordeste; e, segundo, a criação de possibilidades de novos negócios. No caso específico de Pernambuco, a rota para a África impacta imediatamente as áreas de confecções (com a produção do Agreste) e de atendimento médico. Muitos comerciantes cabo-verdianos vão hoje para Fortaleza com o objetivo de comprar confecções; poderão ir agora para Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru. A ligação com a África é inclusive uma reivindicação antiga do polo de confecções do Agreste pernambucano (o voo Cabo Verde – Fortaleza existe há 14 anos). Na área de saúde, Pernambuco tem hoje o segundo maior polo médico do país (atrás apenas de São Paulo), com capacidade para diversos procedimentos (como cirurgias cardíacas e plásticas). A África, mesmo os países de maior desenvolvimento da região, como Cabo Verde, tem deficiências profundas na área de saúde e pacientes de lá (os que têm recursos, claro) buscam atendimento em outros países – hoje já fazem isso, por exemplo, com São Paulo e Lisboa. Desde o anúncio do voo para o Recife, feito em fevereiro passado, já tem grupo do Nordeste instalando-se em Cabo Verde. Segundo li na imprensa cabo-verdiana, também já foi firmada uma parceria para participação na Feira de Produtos Serviços Hospitalares, prevista para 2 a 4 de setembro próximo, no Centro de Convenções de Olinda.
A internacionalização é um dos problemas mais citados da economia do Nordeste. Das exportações do Brasil para a África, a região participa com apenas 3%, segundo o livro As relações comerciais Brasil-África – O novo papel do Nordeste brasileiro, lançado pela Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) e com ensaios de quatro autores, Altair Maia, Flávio Saraiva, Gustavo Pontes e Nelson Bessa. O Brasil tem nos últimos 10 anos impulsionado a relação com a África e esta é uma brecha que deve ser aproveitada também pelo Nordeste, em particular pelos três estados com economia mais forte, Bahia, Ceará e Pernambuco. Para isso, dizem os autores, a região se beneficia do fato de estar com um crescimento acima da média do Brasil (sobretudo os três estados citados) e da distância geográfica privilegiada, entre outros fatores.
O Cabo Verde é um país independente desde 1975, quando deixou de ser colônia de Portugal. Tem uma democracia consolidada, belas praias (como a da foto que ilustra esta página) e uma pequena população, cerca de 500 mil habitantes (menos que Jaboatão dos Guararapes, por exemplo, que tem 680 mil habitantes). Mas a ligação com este país feita a partir dos voos para o Nordeste não se restringe a ele; pode estender-se por outros países que integram a chamada África subsaariana, que ficam abaixo do limite do deserto do Saara. Muitos deles têm hoje estabilidade econômica e política e crescimento anual até maior do que a América Latina (o que derruba aquele estigma de ser uma região inteira associada a conflitos, pobreza e golpes de estado).
Claro que a criação dos voos, por si só, não vai fazer os negócios brotarem espontaneamente. Serão necessárias articulações entre governos, participação de empresários, diplomacia etc. Mas os voos ligando os dois países representam uma porta aberta para um fluxo que antes não havia. E, se para nada mais servir, servirá pelo menos para que possamos visitar o museu que hoje preserva a memória de Cesária Évora, falecida em 2011 – fica em Mindelo, cidade da ilha de São Vicente.