Em Foco 0606

Cada dia mais incomum na infância, banho de chuva é diversão simples e garantia de boas lembranças futuras. Tema do Em Foco do Diario de Pernambuco do sábado, por Silvia Bessa. A imagem que ilustra a página é de autoria de Rafael Martins.

Por mais banhos de chuva

Silvia Bessa (texto)
Rafael Martins (foto)

Foi num abrir e fechar de olhos que as pessoas deixaram de ser Tuim. Tuim, não sei se vocês sabem, é um pássaro que ama quando cai uma chuvinha fina. Dizem que ele corre ao encontro da chuva, e fica eufórico com o arrepio nas pernas. Suspeito que sente o mesmo que uma criança, que abre os braços e corre sem parar, cansa, deita na areia úmida e brinca de abrir a boca e comer pingos. Pena que ver gente curtindo a chuva hoje em dia é como ver ave rara. E se for criança então… Chato esse medo que nos priva de experiências simples e prazerosas. Você lembra da primeira ou última vez que tomou banho de chuva por vontade própria, de roupa completa, cabeça encharcada de água rindo do nada? Miguel, de 6 anos, lembra.
Faz apenas uma semana que tomou banho de chuva, em meio a uma alegria sem fim, árvores do Parque da Jaqueira, Zona Norte do Recife, vinte e cinco amiguinhos que estavam juntos para a festa de aniversário dele. “Para uma criança, tomar banho de chuva é uma aventura. É assim que eles veem. A gente sempre toma lá em casa”, diz Mariana Oliveira, mãe de Miguel e parceira das farras familiares que envolvem o pequeno, o filho maior (João, de 14 anos) e o pai dos meninos, André Machado.
Na família, inverno é tempo certo para diversão. “O que vejo é que esse contato com a natureza tem sido cada dia mais difícil entre as pessoas. Se os meninos estão bem, não há por que não deixar. Até eu vou. Mas sei que não é o padrão. Na minha rua, só os meus filhos e os da vizinha podem tomar banho de chuva. Os outros, as mães não deixam”, conta Mariana, moradora da Rua Guarana, em Ouro Preto, Olinda. “Às vezes, o menino não sai para chuva mas fica nervoso só de pensar no dia da prova. A gente tem de criar crianças de forma mais simples”, defende a mãe. Conheço outra mãe, Sandra Rodrigues, que quando chovia chocava as vizinhas: “Está chovendo, corram para a chuva”, sugeria às três filhas. Os meninos das vizinhas morriam de inveja. Foi os invernos da infância delas. Cresceram com essa boa lembrança da década de 1990.
O que a gente deve lembrar quando cogitar ser mais concessiva é que, por princípio, como diz o pediatra Hélder Leite, “chuva não tem vírus, só água”. E o medo de doenças algumas vezes chega a ser “neurotizante”. Ao longo das últimas décadas os pais passaram a ter mais acesso à informação, ficaram com menos contato com os filhos e tornaram-se mais “proibitivos” nessa questão. Tirando as exceções clínicas, o choque de temperatura (sair de lugar quente para o frio), roupa molhada por muito tempo, todos perdem quando o “não” está à frente. Perdemos, inclusive, nessa relação coletiva com o meio ambiente.
Essa semana li um relato interessante de um “sim”, dado por Letícia Garcia, que acordou às 4h da manhã com os seus gêmeos e tirou a maior vantagem da novidade. “Aproveitei para mostrar o nascer do sol, onde ele se põe e faz uma volta até completar o trajeto. Recebi de presente olhares curiosos e sorrisos lindos”, contou ela, numa lindeza de depoimento. Ficará na caixinha de memória de Manuel e Carlos, com pouco mais de três anos. “Criança precisa de pouco para ser feliz”, comentou Letícia.
E os arco-íris? Nessa onda verde, resolvi buscar um. Só vi por fotos o de ontem, observado bem no Centro no Recife. Prometo que, se encontrar um arco-íris, vou parar por cinco minutos perante as sete cores ou até que elas se dissolvam.
Dei uma olhadinha na previsão do tempo. Parece que vai chover esses dias. Pé molhado, poças de lama, pulos de frio, toalha quentinha para um, para dividir uma beirada dela entre dois, três, quatro adultos ou crianças. Vou comemorar a Semana e o mês do Meio Ambiente assim, sem pantim, como a gente diz aqui, no Nordeste. Quero é ser Tuim de novo, quero é banho de chuva. E, se você encontrar alguém cantando por aí a música de Vanessa da Mata e Liminha prometendo largar tudo por você e lhe chamando de “meu bem”, agarre a mão amiga, querida, amada. Permita-me o plágio, talvez tudo o que vocês precisam é de um banho de chuva.