A litografia do suíço Luiz Schlappriz data de 1863. Impressa na oficina do editor alemão Francisco Henrique Carls, apresenta um panorama do Recife do século 19, com seu casario, vegetação e pessoas nos seus afazeres. O cenário divulgado pelos dois artistas estrangeiros é que tem um nome curioso: Chora Menino. Já naquela época, o local tinha fama de mal-assombrado. Trinta e dois anos antes, o grande descampado do Sítio Mondego foi cenário da execução de soldados encurralados do 14º Batalhão de Infantaria que haviam se rebelado no episódio militar conhecido como “Setembrizada”. O choro ouvido à noite seria das crianças que teriam morrido ou perdido os pais de forma tão cruel. Uma lenda que surgiu a partir de um fato histórico. A antropóloga Bárbara Luna,em entrevista ao Diario de Pernambuco, ainda aponta outra versão.“As escravas negras, impedidas de manter os filhos, viam as crianças serem mortas e enterradas na região”.
Aquele ano de 1831 foi bem tumultuado. Na Corte, a centralização de poder nas mãos de Dom Pedro I levava a protestos que, em abril, acabaram pressionando o imperador a renunciar. Dom Pedro I chegou a constituir um novo ministério no dia 5, mas sua impopularidade já não garantia apoio nenhum. No dia 6, uma multidão concentrou-se no Campo da Aclamação, o mesmo local onde Dom Pedro recebeu o título de Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Os manifestantes exigiam o retorno do gabinete formado por liberais brasileiros. No final da noite, os corpos de tropa sob o comando do brigadeiro Francisco de Lima e Silva juntaram-se ao grupo. Na madrugada do dia 7 de abril de 1831, Dom Pedro I sucumbiu à crise e apresentou o ato de abdicação ao trono. Saiu do palácio sem ao menos se despedir do filho de cinco anos de idade, o herdeiro do trono.
No dia 1º de agosto de 1831, o Diario de Pernambuco publicou na capa a “Lei das atribuições da Regência”. O documento trata justamente dos detalhes para a escolha feita pelos deputados e senadores. “Durante a menoridade do Snr. D. Pedro 2º, o Império será governado por uma Regência permanente, nomeado pela Assembleia Geral, composta de três membros, dos quais o mais velho em idade será o Presidente, como determina o Titulo 5º Cap 5º Art. 123 da Constituição”.
A renúncia de Dom Pedro I não trouxe a calma para o Império. Os brasileiros ainda se ressentiam do poder exercido pelos portugueses que ocupavam cargos estratégicos na administração e dominavam o comércio. Em Pernambuco, revoltosos armados se mobilizaram em movimentos que ficaram conhecidos como “Setembrizada” e “Novembrada” e caracterizados pelo saque às lojas mantidas por portugueses.
A “Setembrizada” teve início na noite de 14 de setembro, quando soldados de uma guarnição do Exército, o 14º Batalhão de Infantaria, saíram às ruas fazendo o que hoje se costuma chamar de “arrastão”. Defendendo a volta do imperador, eles dominaram a cidade até o dia 16 de setembro, quando foram derrotados. O conflito resultou em 300 mortos e 800 presos, que foram enviados para Fernando de Noronha e depois para o Rio de Janeiro.
No dia 22 de setembro, a edição do Diario de Pernambuco, na época com apenas quatro páginas e em formato menor, foi completamente dedicada ao episódio da “Setembrizada”, com mensagem do presidente da província, Joaquim José Pinheiro de Vasconcelos, afirmando que a sociedade estava livre dos “ferozes canibais”, que por 36 horas levaram o terror com desordens, roubos e assassinatos.
A “Novembrada” foi realizada por civis e tinha o objetivo de combater os portugueses. Um número reduzido de homens abrigou-se no forte de Cinco Pontas, intimando o presidente e conselheiros da Província a expulsar os “estrangeiros”, porque eles poderiam “sublevarem-se, e mesmo sem isso intentarem aniquilar as instituições liberais”. O manifesto foi publicado na edição do Diario do dia 25 de novembro. “Não é estranho enfim que o déspota Pedro de Alcantara compra embarcações de Guerra, e se prepara para hostilizar o Brasil. E devemos, Illms., e Exms. Snrs. esperar por o momento da invasão para nos desfazer dos inimigos internos? Devemos por efeito de uma bonomia criminosa arriscarmos a morrer entre dois fogos? Não decerto”, defendiam os revoltosos, que acabaram sendo derrotados pela tropas legalistas.
No seu livro Assombrações do Recife Velho, publicado originalmente em 1955, o sociólogo Gilberto Freyre dá sua interpretação para o fenômeno do Chora Menino:
Às vezes nem disso era o choro parecido com o de menino, mas de cururu ou de outro sapo tristonho, e com a fama de bicho de bruxo, em algum capinzal de beira de lagoa ou de rio, nas noites úmidas do Recife. Talvez tenha vindo daí o nome de Chora-Menino que por tanto tempo foi o de um descampado da cidade, afinal chamado oficialmente por outro nome. Não nos deixemos porém arrastar pela tentação de reduzir a história natural a história do Recife. Pois neste ponto a tradição é de que naquele descampado houve matança e sepultamento de recifenses, inclusive de meninos ou inocentes, numa das agitações que ensanguentaram o velho burgo. Pelo que durante anos o largo inteiro teria ficado mal-assombrado com o choro dos inocentes.
“Uma lenda semelhante a outras muitas criadas pela imaginação popular para explicar certos fatos anda ligada à denominação atual de ‘Chora-Menino’”, escreveu sisudamente no princípio deste século o historiador Sebastião Galvão.
A lenda diz que “depois do saque da tropa insubordinada que guarnecia o Recife, na revolta de 1831, conhecida por Setembrizada, em que os soldados e vários indivíduos mais associados a eles arrombavam e saqueavam, cometendo toda a sorte de atrocidades”, o Recife ficou cheio de gente morta; e que naquele sítio foi “sepultado grande número de vítimas falecidas”;e que, tempos depois, quem passasse alta noite por aquela paragem ouvia sempre “choro de menino”. Talvez menino morto ali enterrado. A verdade, porém, é que há sapo que faz um ruído muito parecido com choro de menino, podendo neste caso o leitor optar pela interpretação da história natural, sem irritar os entusiastas da interpretação sobrenatural. Para satisfação destes, não faltam casos sem explicação alguma. Choros que não se parecem com os guinchos de animais e risadas, como a do chamado “Boca-de-Ouro”, que não têm semelhança alguma com as risadas dos vivos.
Hoje, Chora Menino denomina uma praça no bairro do Paissandu, uma pequena fração do Sítio Mondego, local de gente enterrada e muitas histórias de pessoas bem vivas. Em novembro de 2012, o repórter Ed Wanderley produziu videorreportagem sobre a origem do nome da praça mal-assombrada. Outra lenda existente é de o local seria um ponto de sacrifício de crianças praticado por bruxas…