Os primeiros “hóspedes” começaram a chegar há 160 anos, mesmo com o prédio ainda incompleto. Foi assim, em 1855, que o Diario de Pernambuco anunciou que o Recife passava a contar com a sua Casa de Detenção, projeto do engenheiro pernambucano José Mamede Alves Ferreira em forma de cruz, ficando a torre central de observação no raio norte. A dificuldade inicial foi encontrar um terreno com extensão suficiente para abrigar o edifício que teria 8,4 mil metros quadrados de área construída e seis mil metros quadrados de pátio externo. A solução foi aterrar o alagado que ficava por trás da Rua da Concórdia, na margem do Capibaribe, pouco acima da ponte da Boa Vista. Como o trecho pertencia ao convento do Carmo, a presidência da província teria que desembolsar uma indenização. A promessa de oferta de outro terreno, no entanto, nunca foi cumprida.
A pedra fundamental foi colocada no dia 8 de dezembro de 1850, com uma solenidade religiosa. A Casa de Detenção estava orçada inicialmente em 237 contos de réis, mas acabou custando quase quatro vezes mais: 800 contos. No dia 29 de abril de 1855, com o raio norte já concluído, o governo da província autorizou a transferência dos presos da Cadeia da cidade, que haviam tentado uma fuga em massa no dia 23. Nota do chefe da polícia publicada no Diario de Pernambuco registrou que a rebelião só foi concluída quando os soldados jogaram cal e os presos resolveram se entregar com dificuldade de respirar.
Os trabalhos continuaram. Em 1859, durante a sua visita a Pernambuco, o imperador Dom Pedro II considerou o edifício “uma bela obra”. Em 1860, foi concluído o raio sul. Sete anos depois, com o raio leste terminado, a Casa de Detenção estava definitivamente de pé, dominando o cenário do Recife no século 19. A penitenciária abrigava detentos divididos em quatro classes. As duas primeiras poderiam escrever e receber cartas de parentes sem fiscalização da administração, além de receber visitas todos os dias e passear pelo pátio. Os de terceira e quarta classes só poderiam usufruir dos passeios apenas em caso de recomendação médica. A diferenciação se dava pela aparência. Os prisioneiros de terceira e quarta classes deveriam se barbear todos os sábados e cortar o cabelo à escovinha todo mês.
Escravos e condenados às galés eram encarregados da faxina e do fornecimento de água, além da compra de gêneros. As vestimentas eram pagas pelo estado, que também arcava com a alimentação dos mais pobres. Como se vivia no século da ciência e dentro de um edifício projetado dentro de um rigor estético-utilitário, o médico passou a ter mais poder do que o padre.
O prédio serviu de penitenciária por 119 anos. Em 1974, o local que abrigou presos políticos, como Gregório Bezerra e Paulo Cavalcanti, o escritor Graciliano Ramos, o cangaceiro Antonio Silvino e o assassino de João Pessoa, João Dantas, entre outros, foi desativado para passar por reformas e ganhar uma nova função. Os cerca de mil detentos sairiam do Centro do Recife para Itamaracá. Suas celas se transformariam em lojas de artesanato. Esta imagem do acervo do Diario de Pernambuco, sem crédito do autor, mostra o início da demolição dos muros para permitir o acesso dos futuros visitantes. Na agora Casa da Cultura, recifenses e turistas passariam a percorrer os três andares onde muitos não conseguiram sair.
Vale lembra que o engenheiro Mamede Alves Ferreira também foi responsável por mais dois prédios históricos tombados no Recife: o Ginásio Pernambuco e o Hospital Pedro II, recentemente reformados. A ideia de uma Casa da Cultura foi defendida em 1963 pelo artista plástico Francisco Brennand, quando ocupava ocupava a chefia da Casa Civil do governo estadual. O projeto de restauração do colosso neoclássico ficou a cargo dos arquitetos Lina Bo Bardi e Jorge Martins Junior. Em 14 de abril de 1976, o prédio reabriu suas portas. Para não fechar jamais.
Parte das informações para esta postagem foi retirada do livro História das prisões no Brasil (2012), dividido em dois volumes e organizado por Clarissa Nunes Maia, Flávio de Sá Neto, Marcos Costa e Marcos Luiz Bretas. Os dois primeiros escreveram excelente material sobre o funcionamento da Casa de Detenção do Recife no século 19.