Na redação do jornal Amanhã, seis profissionais escolhidos não exatamente pelo sucesso na carreira se dedicam a produzir edições que não serão conhecidas pelo grande público. As 24 páginas de cada exemplar “número zero”, de teste e de distribuição restrita, servirão apenas para demonstrar o poder da imprensa de destruir reputações. O comendador que paga a empreitada quer mesmo é demonstrar que pode causar estragos se suas demandas não forem atendidas. Entre sugestões de reportagens e artigos, exemplos da prática do pior jornalismo, aquele destinado a um público conservador que busca apenas um veículo para seu preconceito.
Um dos menores livros de Umberto Eco – refiro-me, fique claro, à quantidade de páginas, 208 – Número Zero (editora Record, R$ 35) situa-se na Itália no emblemático ano de 1992. Um país em crise, ainda abalado pela instabilidade econômica e política, às volta com um passado recente de atentados de extremistas de direita e de esquerda. Para completar, um juiz começa a investigar para valer o poder da máfia na Operação Mãos Limpas. Neste cenário, o narrador do livro, Collona, recebe o convite de participar do projeto do Amanhã com a incumbência de ajudar Simei, o editor geral, a tocar os trabalhos por um ano e ainda escrever um livro como ghost writer enaltecendo o trabalho do chefe que não tinha nada de nobre.
Para quem trabalha com jornalismo ou gosta dos bastidores da notícia, são as reuniões de pauta que mais revelam o tom de como um veículo pode ser desvirtuado na fonte. Geralmente, o que deve ser escrito vem em forma de mandamentos ditados por Simei: “Os jornais ensinam como se deve pensar. (…) As pessoas no início não sabem que tendências têm, depois nós lhe dizemos e elas percebem que as tinham. É bom não fazermos filosofia demais e trabalharmos como profissionais”.
Durante o trabalho, teorias de conspirações vêm à tona, relacionando um Mussolini vivo graças ao apoio do Vaticano e assassinatos de quem sabia demais. E para variar, alguém é calado para sempre. Número Zero é um livro que traz temas universais. É para ser lido de forma rápida e digerido lentamente. Exemplos de profissionais do Amanhã continuam ainda hoje entre nós. E ditando tendências, agora reverberadas pelas redes sociais.