Mais do que uma rima fácil, o jornal tem seu papel importante também na música popular. Compositores brasileiros usaram o veículo para expressar a realidade nacional ao longo dos séculos 20 e 21. Símbolo de prestígio, mas também de fracasso, figurar nas páginas da grande imprensa era um indicador de como se posicionar na escala social.

Levantamento produzido pelo blog recolheu 100 canções que têm o jornal como integrante da letra musicada que se tornaram primeiramente marchinhas e sambas e depois outros ritmos a partir do crescimento da própria indústria fonográfica (frevo, bossa nova, rock e funk…).

A lista começa em 1932 com uma composição de Noel Rosa e Francisco Alves, onde em “Mas como… Outra vez?” o jornal é usado como exemplo de um símbolo de poder de compra. Noel reaparece no ano seguinte como parceiro de Lamartine Babo em “Eu quero um retratinho com você”, onde o conquistador usa elementos da profissão de jornalista para dizer que a amada “é grande furo de qualquer diário”. Ainda em 1933, Noel e Kid Pepe assinam juntos “O orvalho vem caindo”, um hino da nossa MPB onde as páginas de jornal têm outra utilidade além de informar.

De um modo geral, as músicas brasileiras que abordam o jornal em suas letras podem ser divididas por blocos: há aquelas que apresentam o veículo como símbolo da pobreza, quando o uso não é apenas para a leitura. Além do já citado Noel Rosa, é o caso de Wilson Batista, que em 1945 criou “Pedreiro Waldemar”. O jornal, para o personagem, servia para embrulhar a marmita. O fato de não ter acesso às notícias é apresentado em “O analfabeto”, gravado em 1966 por Moreira da Silva. Uma crítica a um país onde este indicador era sinônimo de subdesenvolvimento em plena ditadura militar.

O medo das classes baixas em aparecer no jornal, principalmente nas páginas policiais, figura em um grande bloco de canções. Ary Barroso, em 1934, com “É assim que se vai no arrastão”, apresenta um personagem amante da orgia que era avisado por telefone que seu nome sairia no jornal. Em 1955, Jackson do Pandeiro interpreta “Falsa patroa”, onde fala ao delegado que “seria uma vergonha ter ser nome no jornal, por ser de boa família e não querer deixar a gente dele mal”. Lupicínio Rodrigues, em 1962, com “Não conte pra ninguém”, teme ser manchete de jornal por ter entrado em um determinado bar. Em 1975, Chico Buarque e Maria Bethânia interpretam juntos “Notícia de jornal”, onde um crime registrado no papel nunca vai traduzir o que realmente aconteceu na vida real.

Um jornal como sinônimo das desgraças do mundo rendeu também canções de sucesso. Em 1982, Rita Lee lançou “Barriga da mamãe”, onde diz querer voltar ao conforto do útero depois de ver tanta coisa ruim impressa. Antes dela, em 1961, Roberto Silva interpreta uma crítica aos periódicos policiais, em “Jornal de sangue”. “Cada página é um tiro”, um dos trechos da letra, chamou a atenção do grupo pernambucano Nação Zumbi, que gravou um cover em 2009. Em 1995, Ivan Lins interpreta “Vinte anos blues”, onde “o sangue corre pelos furos e pelas veias de um jornal”.

Os compositores também se dedicaram a apresentar o mundo do jornal pelo aspecto profissional. O repórter como personagem teve sua melhor interpretação em “Waldomiro Pena”, criada por Jorge Ben em 1979 para a trilha sonora da série global “Plantão de Polícia”. Os vendedores de jornais ganharam hinos musicais com Tony Tornado [O jornaleiro, 1971], Ataulfo Alves Jr. [Pequeno jornaleiro, 1969] e Quinteto Violado [Menino do Pirulito, 1972]. A canção do grupo pernambucano, uma ode ao Recife do passado, cita nominalmente o Diario de Pernambuco como exemplo do que se vendia nas ruas.

Até os anúncios de jornal serviram de inspiração para os compositores. Renato Teixeira compôs para Joanna, em 1984, a canção “Recado”, onde os classificados eram ponte para comunicação com o namorado. Em um mesmo ano, 1980, duas músicas também contavam histórias onde o jornal trazia a oportunidade de emprego que descambava em infortúnio: “Anúncio de jornal” [Julia Graciela] e “Office boy” [Arrigo Barnabé].

Outra abordagem para compor uma música com a palavra jornal na letra era identificar a publicação como sinônimo de rotina. Em 2006, a banda pernambucana Bonsucesso Samba Club reclama, em “Meu jornal”, que não pode se atualizar sobre o time e o cinema porque levaram o exemplar. O ato de “folhear” é citado em obras como “Último romance”, dos Los Hermanos [2006], “Tédio” [Biquíni Cavadão, 1986], “Letras negras” [Fagner, 1996], Apocalipse [Roberto Carlos, 1986], “Catatonia integral” [Gonzaguinha, 1975] e Cachorro urubu [Raul Seixas, 1973].

O jornal representado como a confirmação da mais pura verdade é outro eixo de composição musical. Figuram nesta linha “Pois é pra quê” [Sidney Miller, 1968], “Jeitinho dela” [Tom Zé, 1970], “Andando de banda” [Martinho da Vila, 1975], “Moda nova” [Jorge Mello, 1977] e Acredite ou não [Lenine, 2002].

Encerramos com o mestre Luiz Gonzaga, que transforma uma entrevista em música em “Nordeste pra frente” [1968]. Falando diretamente ao repórter, ele reconhece a importância do jornal na documentação de tudo. Viaje na lista preparada por Paulo Goethe para o Direto da Redação.