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O Diario de Pernambuco registrou, com foto e texto publicados na contracapa da edição de 21 de julho de 1934, a morte do padre Cícero Romão Batista, líder religioso e político de Juazeiro do Norte, no Ceará. Considerado santo por muitos nordestinos, o “padim” faleceu em uma sexta-feira aos 90 anos de idade. A cidade, que cresceu milagrosamente graças ao prestígio do sacerdote, decretou luto de três dias. Seu corpo teve que ser exposto na janela da casa onde morou, para acalmar a multidão que se reuniu para a despedida.

“Com o padre Cícero Romão Batista desaparece certamente a figura de maior prestigio dos sertões nordestinos. Em torno da personalidade desse nonagenário, derramou-se uma verdadeira literatura, e dele tudo já foi dito, quer de bem, quer de mal. Ninguém lhe negará, entretanto, a sedução estranha que exerceu por mais de meio século sobre as massas sertanejas, que em torno do Juazeiro, por dezenas de anos, se comprimiram, fazendo dele o seu protetor e seu guia”, informava o jornal nesta edição histórica.

Uma junta de cinco médicos da região tentou ainda salvar o sacerdote. Às sete horas da manhã do dia 20 de julho de 1934, Padre Cícero deu o último suspiro na casa hoje transformada em museu com parte de seus objetos pessoais e ex-votos. Às 11h, surgiu entre as pessoas a notícia de que o padre teria recobrado os sentidos, mas a “ressurreição” tratou-se de um boato.

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Nascido no Crato, no dia 24 de março de 1844, padre Cícero foi ordenado no dia 30 de novembro de 1870 no Seminário de Fortaleza. No dia 10 de março de 1889, a beata Maria de Araújo, ao receber dele a hóstia consagrada, afirmou que ela havia se transformado em sangue na sua boca. O fenômeno se repetiu outras vezes. Sem acreditar em milagre, a Igreja ordenou a suspensão da ordem. Sem poder celebrar missas, ele entrou na política em um ambiente onde as divergências eram resolvidas com homens armados, incluindo cangaceiros.

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Como jornal de importância regional, o Diario de Pernambuco sempre acompanhou com interesse as notícias vindas do Juazeiro. Naquele mesmo 1934, o jornal já havia enviado um correspondente para verificar in loco o que acontecia no Sertão cearense. O repórter Galvão Raposo publicou seu relato em três edições, nos 18 e 20 de junho e também no dia 4 de julho. A série recebeu o sugestivo título de “Nos domínios do Padre Cícero”. É material jornalístico de grande importância, porque trata-se do registro dos últimos momentos em vida do religioso, talvez um dos derradeiros contatos dele com um profissional da grande imprensa.

O repórter do Diario, na verdade, acompanhou o médico Isaac Salazar, convocado pelo padre para realizar uma cirurgia de catarata, uma vez que estava praticamente cego há cinco anos. A vinda de um especialista do Recife era para que ele não se ausentasse do Juazeiro. O diagnóstico não dos melhores. O olho esquerdo já estava perdido. O direito poderia passar por uma intervenção, mas sem resultado garantido. A cirurgia foi um sucesso, mas o religioso viveu menos de dois meses depois da intervenção.

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Oitenta e um anos depois, as impressões colhidas por Galvão Raposo registram os bastidores de uma revolução em andamento no interior do Nordeste. O repórter circulou pela cidade, impressionou-se com o seu desenvolvimento e se encontrou pessoalmente com o Padre Cícero. O “padim” tratava bem os romeiros, a quem chamava de “camaradinhas” e até receitava remédios com ingredientes naturais para quem dizia sofrer de “agonia no coração”.

“A receita não faz mal. Eu aqui sou obrigado a ser, além de padre, conselheiro, médico, juiz de partilhas, advogado e muitas vezes até polícia. Tudo o que esta pobre gente deseja fazer, antes procura ouvir a minha opinião. Não sou, porém, um mau conselheiro. Dentro do Direito, da Moral e dos princípios da Igreja, procuro melhor orientá-los. Tenho assim evitado muita desgraça, muitos assassinatos e outros crimes”, explicou o sacerdote.

No seu relato, Galvão Raposo afirma que o bom resultado da cirurgia de catarata ajudou a aumentar o prestígio dos médicos formados no Recife, que tinham má fama, perdendo pacientes do interior do Nordeste para os colegas de bata da Bahia. Como auxiliou Isaac Salazar na operação dos olhos do Padre Cícero, o repórter acabou se tornando um consultor médico na convalescença do religioso, que evitava falar por medo de pôr tudo a perder. A um romeiro que queria algo para dor de dente, o enviado especial do Diario receitou… Guaraína.

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O repórter, inclusive, faz uma crítica ao jornal por dispor de “pouco espaço” para narrar todos os fatos que presenciou, um tipo de reclamação comum nos dias de hoje, mesmo com o advento da internet: “A viagem que acabo de empreender às regiões do Cariri deu-me ensejo de testemunhar uma série de fatos curiosíssimos e que dariam margem a uma farta reportagem. Infelizmente, porém, o limitado espaço com que me distingue a direção do Diario de Pernambuco obriga-me a sacrificar um número bem expressivo de notas que carinhosamente reuni em meu canhenho (segundo Aulete, “livro de lembranças ou de notas”).

Vale a pena ler o relato de Galpão Raposo, disponibilizado na íntegra. Como material complementar para os interessados na vida polêmica do Padre Cícero, a receita é a biografia do jornalista Lira Neto, que transformou dez anos de pesquisa em 560 páginas. As imagens nesta postagem foram retiradas da página especial da Companhia das Letras sobre o livro. Mais fotos e outras informações podem ser obtidas clicando aqui.