Antes atribuída a Pieter Bruegel, O Velho, a pintura “Paisagem com queda de Ícaro” foi realizada, na verdade, por um aluno do velho mestre da escola flamenca. Data de 1558 e agora está sendo usada pelo escritor suíço Alain de Botton para falar sobre como a sociedade atual se relaciona com o noticiário. “É uma paisagem superficialmente bucólica: navios velejam, um pastor cuida do rebanho, cidades distantes parecem prósperas e ordeiras. Contudo, no canto inferior da tela, uma tragédia se desenrola quase despercebida (as manchetes, se existissem, tratariam de outro assunto nesse dia). O imprudente Ícaro acaba de morrer no mar, após permitir que a cera das asas por ele confeccionadas fosse derretida ao sol”, escreve Button em seu “Notícias – Manual do usuário”, lançado em julho no Brasil pela editora Intrínseca. “Precisamos de um tipo de noticiário que se agarre com tenacidade ao detalhe, que nos provoque interesse pelos acontecimentos ao se manter aberto a algumas lições da arte”.
Alain de Botton é um escritor suíço que tem como missão popularizar a filosofia. Já publicou obras como “A arte de viajar”, “Religião para ateus”, “Arte como terapia” e “Como Proust pode mudar sua vida”, todas disponíveis no mercado editorial brasileiro. No seu novo livro ele analisa como os meios de comunicação influenciam a sociedade atual. A partir de 25 exemplos típicos do que é divulgado por jornais, emissoras de TV e agora portais da internet – desastre de avião, homicídio, escândalo político e a vida das celebridades, principalmente – Botton traça em 237 páginas um panorama do que é bom e, principalmente, ruim no nosso consumo de notícias.
A análise do noticiário sempre rende boas discussões. No caso do livro de Botton, é preciso logo esclarecer: apesar do título ser “Manual do usuário”, o suíço parte logo para direcionar sua obra para quem produz as informações. Nesse mundo cada vez mais politicamente correto, ele defende até o fim da imparcialidade (“parece exagero tentar escapar dessa parcialidade O que importa de verdade é encontrar maneiras de conferir sentido a seus exemplos mais confiáveis e proveitosos”) e recomenda que a dimensão histórica de um fato seja sempre destacada.
“Em seu otimismo frustrado, o noticiário é o filho desiludido do Iluminismo. Ao se recusar a se alinhar com a natureza humana, ele faz nossas esperanças encalharem sempre na areia. O noticiário saúda cada novo dia com uma falsa inocência angelical para, logo em seguida, passar a noite insuflando indignação e desilusão quanto à condição atual.”
Alain de Botton se intriga com o fato de que as notícias mais importantes sempre têm menos leitura/audiência do que as que tratam de crimes e fofocas de celebridades. O consumidor de notícias, alerta, não é ignorante, apenas indiferente. Neste mundo de imagens, Botton também alerta para se evitar a banalidade da fotografia: ao invés da imagem que apenas corrobora o texto, a imagem reveladora, que faz o conhecimento avançar. São sugestões de quem vê o mundo a partir de um pedestal, mas que alertam para a necessidade de sempre ver Ícaro.
Leia, abaixo, a primeira parte do livro, em PDF disponibilizado pela própria editora.