Um navio de guerra explode. Quem não morre no impacto atira-se ao mar em balsas com pouca água potável e alguns alimentos enlatados. Com o passar dos dias, a sede e a fome, as queimaduras provocadas pelo sol e as alucinações começam a tranformar os sobreviventes em alimentos para os tubarões. Roteiro de filme? Pois esta história ocorreu na verdade com marinheiros brasileiros há 70 anos. Os sobreviventes da tragédia envolvendo o cruzador Bahia foram trazidos para o Recife, onde contaram suas histórias de horror para o Diario de Pernambuco. Dos 372 a bordo, apenas 36 foram resgatados. Morreram em alto-mar, a oitenta milhas dos rochedos São Pedro e São Paulo, o capitão-de-fragata Garcia D’Ávila Pires de Albuquerque e mais 339 marinheiros, inclusive quatro norte-americanos. Quem chegou em terra firme teve muita história para contar. Pelo resto da vida.
Lançado ao mar em 1909 pelo estaleiro britânico Armstrong Whitworth, o cruzador Bahia já entrou um ano depois para a história da Marinha brasileira, sendo um dos navios onde ocorreu a Revolta da Chibata. Usada na Segunda Guerra mundial como escolta de comboios na campanha do Atlântico, com a rendição nazista a embarcação estava fazendo exercícios navais quando ocorreu a explosão que atingiu as cargas de profundidade da popa. Era o dia 4 de julho de 1945. Um drama que começava por volta das 9h15.
O Bahia afundou em quatro minutos. Quem não foi sugado pelo redemoinho instalou-se em 16 balsas lançadas ao mar. Cada embarcação ficou com cerca de 17 homens, sob comando de um oficial. Além de pouca provisão enlatada e pouquíssima água potável, cada balsa possuía apenas “um par de lemes”, segundo o texto original publicado em 1945. Poderia se tratar de “um par de remos”, na verdade . O grupo ficou dividido entre permanecer no local à espera do resgate ou partir em busca do continente.
Aos poucos, as ondas afastaram as balsas. Agora era cada um por si. A cada dia, mais marinheiros entregavam os pontos. A primeira ajuda só goi avistada após cem horas, com a chegada do cargueiro norte-americano Balfe. Outras embarcações também se aproximaram do local do naufrágio para os primeiros socorros de quem resistiu ao inferno no mar.
O naufrágio do Bahia foi a manchete do Diario de Pernambuco de 10 de julho de 1945. Nos dias seguintes, além das informações sobre a causa do acidente, os repórteres do jornal colheram depoimentos impressionantes dos sobreviventes que se recuperavam lentamente das queimaduras sofridas a bordo das balsas.
Um dos que falaram ao jornal foi o marujo Eraldo Millet, que passou nove dias sobre as ondas e foi o único sobrevivente de sua balsa, onde assistiu ao desespero e à morte de 17 companheiros. Já Otávio Aureo do Nascimento, que trabalhava na sala de máquinas, conseguiu embarcar numa balsa com mais 16 companheiros. Nela, o primeiro-tenente Nadyr Esteves era o oficial com maior patente. “Havia reservas de alimentos enlatados e cápsulas de vitaminas, mas os vasilhames contendo água estavam danificados pela explosão e perdiam o conteúdo muito rapidamente”, lembrou.
Nos dois primeiros, segundo ele, reinava entre o grupo apenas impaciência, mas depois começaram as privações. Esgotaram-se as reservas de água. Alucinações, queimaduras, tortura implacável da sede. Homens começam a beber água do mar. Tubarões fazem a ronda da bolsa. Os homens desistem de lutar e se jogam no mar. “Vi a morte carregar um a um meus camaradas e já me conformara com essa ideia, chegando mesmo a desejá-la como um fim aos meus sofrimentos”, disse. Na segunda-feira, surgiu ao longe a silhueta de um navio, mas todos já haviam se acostumado a visões estranhas. Era o Greenhalgh. Dos 17 ocupantes da balsa de Otávio Aureo do Nascimento, apenas três estavam vivos.
A versão oficial é de que o Bahia foi a pique por um acidente, mas o ex-oficial da Marinha, e escritor pernambucano Paulo Afonso Paiva, lançou em 2013 o romance “O porto distante”, onde relança a tese de que o cruzador brasileiro foi atacado por submarinos alemães. A guerra já havia terminado há dois meses, mas só depois da tragédia envolvendo o Bahia o submarino alemão U-530 chegou a Mar del Plata, na Argentina, rendendo-se às autoridades locais.
“Além de pouca provisão enlatada e pouquíssima água potável, cada balsa possuía apenas um par de lemes”?
Um par de LEMES?
Thiago, a citação do par de lemes encontra-se na reportagem original publicada em 1945, colhida a partir do depoimento dos sobreviventes. Pode-se inferir que se tratam de “remos”. O texto vai ser corrigido para expressar esta dúvida. Mais uma vez, grato pela observação. Sua colaboração foi maiúscula.
“A greve já havia terminado há dois meses, mas só depois da tragédia envolvendo o Bahia o submarino alemão U-530 chegou a Mar del Plata, na Argentina, rendendo-se às autoridades locais.”
A GREVE? Que greve?
Thiago, o texto foi devidamente corrigido, com a palavra “guerra” no lugar de “greve”. Grato pela observação.