Há 15 anos, o mundo vivenciou um drama onde o epílogo já estava escrito. No dia 12 de agosto de 2000, o submarino nuclear russo Kursk naufragou no Mar de Barents, com 118 tripulantes a bordo, sendo 86 oficiais e suboficiais e 32 marinheiros rasos. O Diario noticiou o drama na edição do dia 15 daquele ano, quando a Marinha russa finalmente admitiu que a situação estava fora de controle. “São poucas as chances de salvamento dos que estão a mais de cem metros de profundidade”, informava o jornal. A primeira versão é de que o Kursk havia colidido com um submarino estrangeiro.
A tripulação tentava fazer contato acústico, passando mensagens em código Morse batendo no casco do submarino. No dia 16, o Diario registrava que uma segunda tentativa de resgate da tripulação do Kursk havia fracassado. A cápsula enviada não havia conseguido se acoplar à escotilha do submarino. O tempo era um inimigo a cobrar seu preço.
No dia 17, com a ajuda de um infográfico, o Diario mostrava como seria a operação de resgate, mas os familiares só poderiam rezar por um milagre. Sem oxigênio, os marinheiros teriam várias perturbações até entrar em coma e depois sofrer uma parada respiratória letal.
No dia 18, o Diario trazia um sinal de esperança: os náufragos emitiram novos sinais de vida. O subcomandante da Marinha russa, Alexander Poboi, afirmava que poderia haver oxigênio suficiente para manter a tripulação com vida por duas ou três semanas. Contudo, os equipamentos poderiam ter sido danificados ou destruídos.
No dia 19, um sábado, o Diario registrava o que se esperava. Não havia mais nenhum sinal de vida no Kursk. Era a vez do presidente Putin e seus almirantes reagirem à tragédia em defesa própria. Na verdade, os marinheiros teriam morrido já no primeiro dia do naufrágio, por conta de explosões sucessivas. Tudo o que havia acontecido depois foi uma mentira fabricada.
Oitenta anos antes, o Diario de Pernambuco registrou outro acidente envolvendo um submarino que provocou comoção mundial, mas desta vez com final feliz. No dia 1º de setembro de 1920, o submarino norte-americano S-5 ficou praticamente na vertical no litoral de Nova Jersey por causa de um problema com uma válvula mal fechada. Depois de 36 horas, os 40 ocupantes conseguiram ser resgatados após terem conseguido fazer uma abertura na parte do submarino que ficou acima do nível da água.
No dia 6 de setembro de 1920, o Diario de Pernambuco informava em nota que os náufragos do submarino S-5 haviam chegado na Filadélfia a bordo do Vapor Shalanthus. Por conta da tecnologia da época, o noticiário internacional do jornal se limitava à reprodução de telegramas. Ficou o registro.
Estes dois episódios tornaram-se temas de livros publicados no Brasil pela editora Landscape. São histórias de heroísmo e tecnologia, incompetência de governos e improvisações salvadoras. Pena que, entre as vítimas, esteja a língua portuguesa. A tradução nos dois livros – Kursk – O orgulho perdido da Rússia, de Peter Truscott e Sob pressão, de A. J. Hill – é sofrível, com erros de concordância e outros naufrágios. Mas as publicações valem pelo esforço de reportagem.
TRECHO DO LIVRO “KURSK – O ORGULHO PERDIDO DA RÚSSIA
Para Kolesnikov e os outros 22 submarinistas ainda vivos dentro do Kursk, o fim foi misericordiosamente rápido. Quando, na noite de sábado, os níveis de dióxido e monóxido de carbono chegaram a porcentagens perigosas no interior do nono compartimento, os homens resolveram trocar as placas da unidade de regeneração do oxigênio do submarino. Nesse momento o compartimento estava às escuras, gelado, e sendo lentamente inundado. Enquanto recarregavam as placas, elas entraram em contato com a água e o óleo. Provavelmente um dos tripulantes, já bastante entorpecido, deixou cair uma das placas no chão, então muito alagado, do compartimento. Em teoria, essas placas só deviam ser trocadas usando-se luvas de borracha, sobre uma bandeja, na posição vertical e, de preferência, num ambiente seco. Na prática, portanto, tudo acontecia em condições completamente inadequadas, num compartimento naufragado e parcialmente inundado, exatamente quando as placas eram mais necessárias do que nunca. Uma simples gota de óleo que atinja a placa é suficiente para causar uma imediata reação química, e um incêndio. Reagindo com óleo e água, as placas imediatamente desencandearam uma série de faíscas e labaredas que atingiram a temperatura de 300º Celsius.
Três tripulantes tentaram proteger seus companheiros das chamas e acabaram com graves queimaduras no peito. Muitos sofreram queimaduras fatais. A máscara de oxigênio de um deles derreteu-se, colada ao rosto. Selando definitivamente o destino dos outros submarinistas, o fogo sugou o resto de oxigênio que ainda havia no compartimento. Rapidamente, os sobreviventes caíram em estado de inconsciência, envenenados pelo monóxido de carbono. A maioria não teve tempo nem de pensar em colocar suas máscaras. Posteriormente, os médicos russos fixaram a hora das mortes entre 19 e 20 horas de sábado, 12 de agosto.
Dmitri Kolesnikov, um dos tripulantes que tentou proteger seus companheiros das chamas, morreu com sua mão direita sobre o o bolso da camisa, em cima do coração. Dentro do bolso estava a mensagem para sua mulher, Olga. Quando seu corpo foi retirado do submarino, no dia 25 de outubro daquele ano, sua mão ainda estava na mesma posição. A mensagem era o seu último testemunho.
PÁGINAS 59 e 61
TRECHO DO LIVRO “SOB PRESSÃO”
Vinte e quatro horas depois do afundamento, o interior do S-5 permanecia uma tumba. A maioria dos tripulantes perdera a consciência ou caíra em estado de apatia tão profunda que apenas os peitos, que febrilmente se erguiam e afundavam, mostravam que estavam vivos. Alguns ainda tinham forças para arrastar-se até a sala da cana do leme, mas nenhum tinha esperança de conseguir cortar uma saída que prestasse. Dezesseis horas de perfuração, corte de arestas e uso de serra haviam produzido uma abertura ligeiramente triangular, de quinze centímetros de largura e vinte centímetros de comprimento. Com ferramentas adequadas e corpos vigorosos o suficiente, talvez pudessem criar uma saída de emergência em mais de vinte horas, mas não tinham essas vinte horas. O único consolo para alguns era que a saída tinha sido sua melhor chance – a única chance – e tinham dado o melhor de si para abri-la.
PÁGINAS 157 e 158