Sérgio Porto morreu aos 45 anos de idade, em 30 de setembro de 1968. Jornalista, cronista, escritor, radialista e compositor, era mais conhecido pelo seu pseudônimo Stanislaw Ponte Preta. Pode-se dizer então que viveu por dois? Melhor dizer que trabalhou por três. Cardíaco, não resistiu ao excesso de tarefas – e também de farras, porque ninguém é de ferro – a que se impôs.
“Na imprensa, no rádio e na televisão do Brasil, a ascensão se confunde com a queda. Sucesso não seria chegar ao ponto de poder trabalhar menos e ganhar o suficiente, mas trabalhar sempre mais. Então, neste país, vitorioso seria o jornalista que tivesse mercado de trabalho, sempre. Mas mesmo assim, só chegaria ao chamado padrão de vida somando diversas atividades corrosivas”.
A afirmação acima, atribuída a Paulo Mendes Campos, consta da biografia de Sérgio Porto, “Dupla Exposição: Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta”, escrita por Renato Sérgio e lançada em 1998. É apropriada para a década de 1960. É tristemente atual para os dias de hoje. Fazemos os outros rirem, mas nossa vida não é uma comédia. Que estrago ele não iria fazer nos dias de hoje…
Sérgio Porto é um dos meus ídolos nacionais. O outro é Aparício Torelli, o Barão de Itararé. Eles provaram que é possível falar a verdade sem ser chato. A biografia dele, além de ser bem escrita – parece que o Renato Sérgio incorporou o outro Sérgio – traça o retrato de uma época. E vem com várias fotos, como esta de Sérgio Porto com vários livros, muitos deles de jazz, a sua paixão. E ainda traz um perfil escrito pelo próprio Lalau, como assinava quando escolhia as certinhas que figuravam nos seus programas de televisão.
Apesar de ter sido publicada há mais de 50 anos, a obra do bom e velho Lalau não é datada, Tanto assim que a Companhia das Letras acabou de tirar do forno, em um volume único de 488 páginas, os três clássicos Febeapás – Festivais de besteiras que assolam o país, lançados entre 1966 e 1968. Tirar sarro das idiotices de quem está no poder é uma arte. Em plena época das trevas é genialidade. Nos dias de hoje, então, teria farto material para trabalhar.
Podemos dizer que Febeapá é jornalismo em estado bruto. Para fazer o livro, Sérgio Porto contou com o apoio de leitores de jornais que lhe enviavam os recortes das idiotices perpetradas pelas autoridades. Eles eram os representantes da agência de notícias Pretapress. Era o máximo de interatividade antes das redes sociais.
AUTO-RETRATO DO ARTISTA QUANDO NÃO TÃO JOVEM
ATIVIDADE PROFISSIONAL – Jornalista, radialista, televisista (o termo ainda não existe, mas a atividade dizem que sim), teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário.
OUTRAS ATIVIDADES – Marido, pescador, colecionador de discos (só samba do bom e jazz tocado por negro, além dos clássicos) e ex-atleta, hoje cardíaco. Mania de limpar coisas tais como livros, discos, objetos de metal e cachimbos.
PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES – Mulher.
QUALIDADES PARADOXAIS – Boêmio que adora ficar em casa, irreverente que revê o que escreve, humorista a sério.
PONTOS VULNERÁVEIS – Completa incapacidade para se deixar arrebatar por política. Jamais teve opinião formada sobre qualquer figurão da vida pública, quer nacional, quer política.
ÓDIOS INCONFESSOS – Puxa-saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista.
PANACÉIAS CASEIRAS – Quando dói do umbigo para baixo: Elixir Paregórico. Do umbigo para cima: Aspirina.
SUPERSTIÇÕES INVENCÍVEIS – Nenhuma, a não ser em véspera de decisão de Copa do Mundo. Nessas ocasiões, comparativamente, qualquer pai-de-santo é um simples cético.
TENTAÇÕES IRRESISTÍVEIS – Passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não é tão boa quanto pensa.
MEDOS ABSURDOS – Qualquer inseto taludinho (de barata para cima).
ORGULHO SECRETO – Faz ovo estrelado como Pelé faz gol. Aliás, é bom cozinheiro no setor mais difícil da culinária: o trivial.
Assinado, Sérgio Porto, agosto de 1963
(Cinco anos e um mês a.M., quer dizer, antes da Morte)