Em Foco 0109
Disque-Denúncia lança campanha de recompensa por informações de crimes sexuais contra crianças e adolescentes.

Silvia Bessa (texto)
Teresa Maia (foto)

Era azul o carrão quatro portas que parava uma ou duas vezes por semana defronte à residência humilde com chão de cimento batido. Esperava o menino franzino, dez anos no máximo, dono de voz serena e louco pelo futebol show transmitido pela antena parabólica. O garoto entrava no veículo. Menos de uma hora depois, voltava com dinheiro pouco, suficiente para garantir a comida no dia seguinte. “É de um homem que eu chamo de tio. Ninguém pergunta o que faço com ele nem eu digo, mas a senhora sabe, né!?”, indagou-me quase afirmando, numa conversa na qual perguntei e ouvi até doer meus ouvidos. Foi quando estive em Inajá, no Sertão de Pernambuco, que era e ainda é um dos mais pobres do estado. Ele era violentado sexualmente com regularidade sob o conhecimento de vizinhos e familiares, convenientemente cegos ao assistir ao prenúncio do crime ao entardecer.
Era vítima em qualquer circunstância – por força da miséria conjuntural, por ameaça ou qualquer outra hipótese. E, claro, envergonhava-se porque os amigos da pelada subentendiam o que ele fazia. Três pessoas narraram para mim a cena. Uma foi a então conselheira tutelar Adi Lima, figura querida de Inajá, na época observadora fiel do que se passava no entorno. Adi já tinha tido algumas conversas com os parentes do garoto e não havia surtido efeito. O silêncio se sobrepunha naquele núcleo familiar. Penso que deve haver milhares em Pernambuco afora onde o tabu permaneça intacto. Em outras famílias, a questão é outra: o desconhecimento do abuso.
Mas acho que é sempre tempo de colaborar para salvar mais um de uma das mais cruéis violências – a que rouba a inocência de uma criança. Por isso, é muito bem-vinda a iniciativa anunciada ontem pelo governo de Pernambuco de pagar R$ 1 mil para quem der pistas sobre casos de abuso sexual, exploração infantil e pedofilia através do Disque-Denúncia. A campanha “Criança tem direitos. Respeite, denuncie” foi lançada ontem pelas Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ) e Secretaria de Defesa Social (SDS) e terá reforço com a distribuição de cartazes em delegacias e estabelecimentos do estado.
A ideia é de que os casos denunciados pelos telefones sejam monitorados pelos centros ligados à assistência social e órgãos deem atenção oferecendo apoio psicológico para crianças e famílias de vítimas, informou ontem o secretário de Desenvolvimento Social de Pernambuco, Isaltino Nascimento.
Nos últimos três anos o Disque- Denúncia recebeu mais de 8,5 mil informações dessa natureza. Mas os números variam, o que me faz reforçar o coro por uma vigilância constante. Observando os dados divulgados ontem pelo Disque-Denúncia, noto um decréscimo no que toca as informações fornecidas para crimes de violência sexual, por exemplo. A média de 2013 registrava 207 denúncias por mês; em 2014 a média mensal ficou em 178 e a média de 2015 até agosto está em 104/mês. Somando todas as informações desse tipo de crime já são 5.463 casos em três anos. Ou seja, são milhares de vítimas, e seria igualmente impactante se houvesse ao menos uma porque se supõe uma tragédia pessoal para cada vítima. É assim que se deve pensar.
Bom seria se a consciência das pessoas bastasse, mas se o pagamento da recompensa pelas informações é necessário, que seja útil. O anonimato é garantido nas denúncias, dizem as autoridades. Os telefones do Disque-Denúncia são 3421-9595 para a Região Metropolitana e Zona da Mata Norte. E 3719-4545 para denúncias oriundas do interior de Pernambuco. Outro caminho é o uso do site www.disquedenunciape.com.br, que permite o envio de fotos e vídeos. O serviço funciona durante 24 horas e em todos os dias da semana.