Em Foco 0609

Público fiel a viagens em cruzeiros marítimos se prepara para a próxima temporada, que começa em novembro.

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

Há três sérios impedimentos para que alguém decida não colocar os pés em um navio: ser vítima de hidrofobia (medo excessivo e irracional de água), de agorafobia (horror a lugares onde não haja acesso a socorro imediato) e, óbvio, andar com as finanças em estado tão precário que fazer as malas, até para pequenos passeios, mostre-se possibilidade completamente fora de cogitação. No mais, não tenha dúvida, é uma experiência agradável e digna de ser repetida várias vezes, tese defendida por pessoas que já possuem muito mais horas navegadas do que voadas. E elas formam um exército de apaixonados em crescimento exponencial.
Então, esqueça aquela velha ideia de que se trata de programa para aposentados, com dinheiro e tempo de sobra, sem maiores exigências em termos de divertimento. A bordo, o que não falta é atração para todos os gostos, com a enorme vantagem de o passageiro viajar se hospedando, sem a desgastante obrigação de estar carregando peso a cada escala do roteiro e “engolindo” o mau humor dos funcionários de imigração. Para a alegria de quem decidiu experimentar e euforia de quem resolveu repetir, está bem próxima a abertura da temporada de cruzeiros. Começa em novembro, no Brasil, quando o sol transforma os parques aquáticos em paraísos disputados logo nas primeiras horas da manhã, embora as noitadas nos bares, boates e cassino a bordo costumem se estender até altas horas.
A crise econômica, ao contrário do que se possa imaginar, não diminuiu o número destas verdadeiras cidades flutuantes em passeios pela costa brasileira, mas encurtou o tempo de permanência dos passageiros a bordo. Do lado deles, a saída para não perder a viagem foi optar por minicruzeiros e do lado das companhias, oferecer uma série de vantagens, começando pelo congelamento do preço do dólar na negociação do pacote (sim, porque, mesmo no Brasil, o valor das tarifas é pela cotação da moeda norte-americana).
Mas, minha senhora, meu senhor, como a perfeição parece não ser deste mundo, é em terra que os problemas aguardam passageiros em viagem pela costa brasileira. Os velhos obstáculos – qualidade dos serviços e infraestrutura – são um desafio para quem desembarca com a intenção de aproveitar o dia nas cidades onde o navio atraca. Em um dos dois que fiz por águas nacionais, a partir do Recife, encontrei portos com atendimento sofrível e realidades urbanas que só reforçaram a ideia do Brasil como um país sem preparo nenhum para receber o turista. Só para ficar em um exemplo, uma das cidades baianas mais famosas (e ricas) do ciclo do cacau, Ilhéus, estava tomada pelo lixo, com monumentos sujos, mal conservados e mal sinalizados, cheia de pedintes e, enfim, em nada lembrando o lugar que apaixonou e inspirou Jorge Amado. Foi de fato uma luta conseguir degustar alguns petiscos no Bar do Nacib, de tão cheio e carente de garçons.
Mas considere que mesmo o mar não estando para peixe, em termos de desvalorização do real frente a moedas estrangeiras, com planejamento e pesquisa é possível ter uma experiência memorável a bordo de um desses gigantes. Optando pelos destinos internacionais, o passageiro ao menos não será obrigado a se deparar, nas cidades do roteiro, com os velhos fantasmas que habitam abaixo da Linha do Equador. Se a bordo o show não pode parar, em terra ele acaba levando o visitante de nações em desenvolvimento a sentir como seria bom, em seu país, deixar de receber tratamento de cidadão “de quinta”. Por essas e por outras, navegar é preciso.