Antes do pessoal do movimento mangue, o caranguejo era um pobre coitado consumido por pessoas que viviam literalmente à margem. Isto começou a mudar com o advento da Segunda Guerra Mundial, que fez rarear o pescado importado, principalmente o bacalhau da Noruega, possibilitando que o crustáceo chegasse à mesa do recifense com mais regularidade, até mesmo na Semana Santa.
No dia 3 de abril de 1947, o jornalista Julio Barbosa teceu uma verdadeira ode ao caranguejo no Diario de Pernambuco. Com a falta de peixe para cumprir o preceito religioso de não consumir carne no período do sofrimento de Jesus Cristo, o bicho de patas e patolas, bem como o sururu e a ostra, tinha finalmente a sua vingança. Hoje ganhou até uma escultura gigante na Rua da Aurora.
Como curiosidade na reportagem de 1947, a foto de um catador com seu produto do Pina e a letra invertida na chamada da matéria. Um texto que Chico Science e companhia poderiam incorporar ao movimento que recolocou o Recife no mapa musical mundial. O caranguejo deu sua “mãozinha”. Tanto que uma escultura gigante do bicho adorna a Rua da Aurora. Abaixo, uma amostra do texto de Julio Barbosa.
No “folck-lore” nortista há uma modinha em que se cantam as qualidades do caranguejo, atribuindo-se-lhe caráteres nobres e altas doses de inteligência, apesar de não ter cabeça. Diz-se, por exemplo, que “o caranguejo é bicho nobre, fala inglês e francês; a casa do caranguejo não foi pedreiro que fez”. Essas tentativas de reabilitação do caranguejo feitas em tempo já se perderam de memória não conseguiu jamais tirar o crustáceo da lama em que vivia até antes da II Guerra Mundial.
Foi preciso que o mundo pegasse fogo, que o “fuehrer” Adolf Hitler rasgasse o Tratado de Versalhes e que o ex-imperador Hiroito atacasse Pearl Harbor nas caladas da noite, e que, sobretudo, frutificasse em nossas plagas a árvore maldita do câmbio negro para que o caranguejo viesse a ser olhado com mais simpatia, e até com respeito pelas pessoas necessitadas de guardar o preceito da Semana Santa.
É que o caranguejo era considerado um pária na escala social dos peixes e afins. E não era para menos, tomando-se por ponto de referência o conceito de que gozava o fidalgo bacalhau do Mar do Norte. Entretanto, nada existe de melhor do que um dia atrás do outro. “Na natureza nada se perde, tudo se transforma”, teria dito o sábio Lavoisier. O caranguejo é melhor aquinhoado do que o homem que dr. Agamenon quer tirar da lama dos mangues.
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