Em Foco 1509

Sophia, que morreu ontem nos EUA, sensibilizou milhares de internautas; ela e sua família serão lembradas como inspiração de luta pela vida.

Silvia Bessa (texto)

A bonequinha que mobilizou o Brasil se foi ontem. Morreu após uma parada cardíaca em Miami, nos Estados Unidos. Resistiu com bravura e deixou uma “lição de força, união e fé”, como diz a nota de falecimento publicada na página oficial “Ajude a Sofia” no Facebook e como repetiam desconhecidos em todo o país desde que a notícia foi divulgada. “Lutar com você e por você foi uma honra”, encerrava o texto. Afora o imenso pesar, longe de ser narrável, as conquistas de Sophia Gonçalves de Lacerda, de 1 ano e oito meses, e da família dela servirão de referência daqui para frente no Brasil. Em meio à tristeza que comoveu milhares de internautas nessa segunda-feira, esse é um viés que vale a ênfase como pequeno consolo à grande perda de uma vida. De um filho.
Portadora da síndrome de Bardon, doença raríssima que impedia o funcionamento de vários órgãos do sistema digestivo e que exigiu um transplante múltiplo de estômago, fígado, pâncreas e intestinos delgado e grosso, a menina sorridente, de pele alva e cabelos pretinhos conseguiu comover e envolver dezenas de milhares de pessoas nas redes sociais da internet. Sem recursos financeiros, moradores de Votorantim (interior de São Paulo), os pais Patrícia e Gilson lançaram uma campanha nas redes sociais quando Sophia tinha dois meses. Pediam recursos com o objetivo de financiar o tratamento da filha no exterior. Narraram com frequência a evolução da menina, chamada por eles de “bonequinha”, e ganharam simpatizantes e apoiadores. Bem-sucedida, a mobilização representava o estímulo contrário àquele comentário ouvido pela mãe quando a bebê nasceu, de uma médica que disse: “Aproveita, mãe, pois ela só tem uma semana (…)”.
A participação dos internautas – financeiramente ou emocionalmente – se deu como primeiro grande avanço. A campanha serviu de ajuda e ajudou a outros. “A Sophia foi uma inspiração para todos”, disse Jacyanne Lira Góis, em um depoimento emocionado no qual fala que ler a história da menina lhe dava forças e lhe fazia acreditar na melhoria da saúde do bebê que esperava, o Davi.
Na sequência da movimentação, veio a notícia de uma ação em favor de Sophia: o governo federal foi obrigado a pagar em junho do ano passado R$ 2,2 milhões para custear o transplante multivisceral dela no exterior. Foi uma vitória jurídica representativa porque ações semelhantes por vezes se baseiam em exemplos anteriores para conseguir êxito, o que faz crer que a batalha de Sophia tende a ser citada em casos de outros pacientes crônicos necessitados de suporte financeiro. Isso em nada tem a ver com a morte da pequena porque à União cabe dar condições para que os brasileiros lutem pela vida.
Sophia foi mais do que a síndrome dela e a página “Ajude a Sofia” é a expressão do entendimento. Com o engajamento de tantos desconhecidos, o mural deixou de ser destinado a falar somente dela. Abriu espaço para ajudar crianças e adultos que precisam de ajudas financeiras e ou de orações. Nele, pede-se colaborações para financiar o tratamento de US$ 40 mil para que Nicolas Miguel possa enxergar pela primeira vez; apela-se em nome de Samuel, que toma seis anticonvulsionantes e cuja família gasta R$ 1 mil por mês com medicamentos. Essa transformação e a prática daquele lema “gentileza gera gentileza” é algo que faz com que pensemos que a vinda de Sophia teve seu significado para a família dela (agora ainda mais sofrida, vivendo o luto e a ausência) e para nós todos.