A primeira citação ao homenzinho de bigode estranho se deu no Diario de Pernambuco há 85 anos, no dia 26 de setembro de 1930. Era uma pequena nota, na seção “Telegrammas”, informando da abertura de um processo contra um certo chefe fascista alemão. O austríaco de nascimento seria denunciado por crime de alta traição em virtude de artigos publicados num jornal contra as forças armadas. Aos poucos, já na primeira metade daquela década, o radical ganharia corações e mentes alemãs e ampliaria seu domínio até na grande imprensa internacional. Nas páginas do Diario, o leitor assíduo passaria a ter farto noticiário sobre as ações daquele sujeito que não estava para brincadeira do outro lado do Atlântico. O nome dele? Adolf Hitler.
As primeiras notícias sobre Hitler no Diario apresentavam um líder político de perfil reacionário, sem o apoio da igreja católica e que havia cunhado o termo “subhomem”, a partir dos ensinamentos de Friedrich Nietzsche. No dia 10 de abril de 1932, o jornal publicaria a sua primeira foto, por ocasião das eleições presidenciais na Alemanha. O jornal já alerta que colocar Hitler para suceder o octogenário Hinderburg seria uma aventura com resultados inesperados. “É preciso levar em conta as reservas de bom senso do povo alemão, que jamais iria sacrificar uma candidatura que se firmara nas camadas mais sólidas do país por um homem que até ontem era simplesmente um desconhecido e apenas explora com a crise psicológica que afeta a nação germânica”.
Pois o Diario errou na previsão. O bom senso alemão foi para as cucuias e Hitler tomou as rédeas efetivamente do país, a ferro e fogo. A partir daí, Hitler passou a aparecer ainda mais nas páginas do jornal, com mais fotos, inclusive aquelas discursando em um balcão ou diante de um microfone de rádio. Era questão de tempo que o nazismo desembarcasse em Pernambuco.
No dia 20 de junho de 1933, o jornal publicou uma nota com o título “O hitlerismo em Pernambuco”. A informação era de que vários elementos da colônia alemã pretendiam fundar um grêmio para divulgação das ideias do partido nazista. Uma reunião teria sido realizada no Bar Munichen, localizado na Praça da Independência, a popular pracinha do Diario.
A versão pernambucana do nazismo prosperou logo. Tanto que pouco mais de duas semanas depois, no dia 8 de julho de 1933, o Diario publicou em sua capa uma reportagem de destaque sobre uma reunião realizada no município de Paulista, onde os nacionais-socialistas locais receberam uma bandeira com a suástica oferecida pelos colegas de Friedricshafen, cidade-base do Graf Zeppelin. O grupo alemão fazia parte da tripulação do dirigível. Erich Dale, líder dos germânicos radicados em Pernambuco, recebeu os conterrâneos no Paulista European Club, com distribuição farta de lanches e cerveja.
Neste dia, o texto do Diario sobre Hitler mudou de perfil. Antes contrário a Hitler, o jornal agora destacava o “caráter de têmpera de aço, que difundiu a energia do seu idealismo aprendido no exemplo de Mussolini”. As críticas e elogios ao ditador alemão variavam de acordo com o autor das reportagens. Mas as ações de Hitler em direção à guerra acabaram com esta “democracia” interna.
Na mesma edição, um pouco mais abaixo na capa, um exemplo da Alemanha nazista. O ministro Goebbels comandava cerimônia da destruição de 20 mil volumes de autores banidos pelo regime, muitos deles judeus, como Stefan Zweig e Freud. “A hora do intelectualismo passou”, comemorava Goebbels.
Em 1942, com o Brasil já em guerra contra a Alemanha, as famílias suspeitas de nazismo em Pernambuco foram confinadas em um terreno pertencente à família Lundgren na localidade conhecida como Chã de Estevam, no município de Araçoiaba, a 60 quilômetros do Recife. Em cerca de 20 casas, 45 germânicos – funcionários da Fábrica de Tecidos Paulista – e seus parentes passaram a viver neste local vigiado, com escolta para o trabalho, mas sem o registro de maus-tratos. O “campo de concentração” durou até o final da Segunda Guerra Mundial. O nazismo em Pernambuco ficou apenas para contar história.