Em Foco 1809

Numa hora em que o mundo reage veementemente a qualquer tipo de violência contra os animais, a filosofia vegana alça voo mais alto e abre espaço para se tornar tendência na gastronomia.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)

O senhor, a senhora, pertence a uma geração que não se abalava um milímetro vendo aves, bois e porcos virando assados e guisados, certo? Pois bem, saiba que seus hábitos alimentares estão ficando cada vez mais fora de moda, pois, junto com a obsessão das pessoas em ser cada vez mais longevas, está outra tão poderosa quanto – a defesa dos animais. E aproveitando o debate mundial que envolve ética na convivência com os bichinhos, nutrição e qualidade de vida, a filosofia vegana – que admite apenas dieta à base de vegetais – entra de vez na vitrine da gastronomia do planeta. Ser vegano virou sinônimo de consciência ecológica e ambiental, na medida em que os praticantes não aceitam nem o consumo de derivados como leite e ovo. Entre eles, o ex-beatle Paul McCartney, que estrela campanhas ruidosas através das quais apela para a piedade do público na tentativa de alcançar, sobretudo, os jovens.
No documentário Glass Wall, no qual McCartney encara o papel de narrador, o público é convidado a refletir desde a primeira frase, “eu costumo dizer que se os abatedouros tivessem paredes de vidro, seríamos todos vegetarianos”. Isto porque a teoria de que animais pressentem a hora da morte e sofrem demais com esta possibilidade transformou-se na maior arma de sensibilização, legitimada por vídeos recentes como o de uma vaca chorando na fila, a dois passos de receber o golpe fatal. A todas estas manifestações, os papas do movimento vegano, na atualidade, agradecem imensamente: nada melhor do que a adesão de famosos e a multiplicação deste tipo de vídeo na internet para aumentar as chances de ampliação do público estimulado a torcer o nariz diante de carnes suculentas.
A propósito, várias destas autoridades na tarefa de destruir a reputação da proteína animal como amiga do homem estão prestes a desembarcar aqui para o VegFest Recife, de 23 a 26  de setembro, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com inscrições ao preço de R$ 150 e outros R$ 70 cobrados pela participação no jantar de abertura (Restaurante Papaya Verde), feito por três chefs adeptos da gastronomia à base de legumes, verduras, frutas e grãos. Para alguns dos ilustres palestrantes, inclusive, vale até bancar os custos da viagem com recursos próprios, desde que o sacrifício seja compensado com casa cheia e mais gente disposta a seguir a filosofia.
A rodada de conversas começa no auditório principal, na tarde do dia 23, com a autora do polêmico livro A política sexual da carne (tema da palestra), Carol J.Adams, que defende a existência de uma estreita relação entre consumo de carne e feminismo. Em seguida, o neurocientista Phillip Low lança luz sobre a teoria de que semelhanças neurobiológicas entre a consciência de homens e animais podem significar que estes últimos realmente “entendem” e sofrem com as agressões físicas às quais são submetidos em nome do estômago de uma humanidade com visão gastronômica atrofiada. Mas espera-se que o premiado chef Aris Latham garanta uma das maiores plateias, por já ter cozinhado para celebridades como Barbara Streisand, Demi Moore, Prince e Alicia Silverstone. Há 39 anos, Latham só ingere alimentos crus.
Numa cidade ainda distante de reunir número razoável de restaurantes adeptos da cozinha vegana, o evento pode alavancar a criação de novos e ajudar a difundir a ideia de que amor aos animais não combina com pratos feitos à base da carne deles. Os organizadores sonham com a possibilidade de ver o tal “clique” descrito por Paul McCartney ser, também, sentido pelo resto do mundo: “Há muitos anos, estava pescando e, enquanto puxava um peixe, entendi: eu o estou matando pelo simples prazer que isso me dá. Alguma coisa fez um clique dentro de mim. Entendi, enquanto olhava o peixe se debater para respirar, que a vida dele era tão importante para ele quanto a minha é para mim”, escreveu o “rapaz de Liverpool”, que desde os anos 1970 só vai à mesa na companhia da consciência.