Em Foco 1710

Esta é Bruna Guedes, a pernambucana de 26 anos que recebeu a primeira família de refugiados sírios no estado e virou referência de solidariedade.

Silvia Bessa (texto)
Nando Chiappetta (foto)

Ao chegar no aeroporto Bruna estava preocupada em dar um abraço caloroso em sinal de boa acolhida. Já no sítio onde mora, no município de Igarassu, entregou uma cópia da chave de casa para Mouammar e Nermim, casal que trazia o bebê Ammer nos braços. No dia seguinte, acordou cedo e os levou para ver o mar da vizinhança. Bruna Guedes é a pernambucana que acolheu os primeiros refugiados da guerra civil da Síria no estado. Uma mulher de apenas 26 anos. Determinada e otimista, tende a se tornar referência quando aqui se falar em apoio estrutural e financeiro para que famílias como a de Mouammar, da Síria, do Afeganistão e de outras nacionalidades, reconstruam um presente que virou pó. A guerra da Síria já matou mais de 250 mil pessoas e há 30 mil desaparecidos desde 2011 – informa balanço divulgado ontem pela Ong Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH). Contando só os que cruzaram o Mediterrâneo rumo à Europa, são 300 mil imigrantes em 2015.
Funcionária do Banco do Brasil desde que passou no concurso público há sete anos, Bruna cria sozinha o filho Benjamim, de dois anos e meio, numa casa de três quartos e duas suítes. Envolvida em projetos solidários “desde que nasceu”, diante do horror de gente morrendo carbonizada, fugas em massa, pensou: “Não é possível que Deus tenha me dado uma casa dessa, eu só uso dois quartos, tenha alguém numa situação assim e eu não faça nada”. Fez. Está dando certo, contou-me ontem, dez dias após receber os três sírios.
Bruna, que tem curso superior incompleto de Serviço Social e História, se comoveu com a guerra há meses. Mas a impactante foto do menino sírio Aylan Kurdi, afogado no mar de Bodrum, Turquia, no dia 2 de setembro a fez chorar. “Lembrou muito meu filho, vi os  sapatinhos dele…”, recorda. “E se fosse eu em situação de vulnerabilidade, queria que alguém me acolhesse com Benjamim?”. Contou com a intermediação de Marah, uma síria que tem feito trabalho semelhante em São Paulo, e ofertou: “Tenho quatro vagas”. Se dispôs a assumir despesas no sustento, buscar trabalho e dar uma cama sem limite de tempo. Marah pediu ajuda para ela acomodar quatro sírios, homens. Bruna ponderou. Recorreu a amigos. Conseguiram que os quatro marceneiros ganhassem refúgio e emprego em uma semana em São Paulo. “O tal do pernambucano é fogo mesmo!”, brinca.
Veio a sugestão de receber a família que conseguiu chegar em São Paulo há seis meses com pouco dinheiro e roupas, quando a mulher, Nermim, ainda estava grávida de Ammer. “Vou topar essa. Foi uma criança que me levou a tudo isso”, disse-me. Bruna trocou fotos, buscou a ajuda de uma amiga para a tradução do que ela não entendia na compra da passagem aérea (“Eles usam o árabe, que até o alfabeto é diferente”). Tudo pronto. “Deu medo?”, perguntei. “Não vou mentir. Senti um friozinho na barriga”. Surgiu oposição entre seus parentes?. “Tive, do meu pai, preocupado com desconhecidos tão próximos”. “Percebi que as pessoas têm dificuldade de acreditar nas outras, mas sempre falo da gravidade da situação e há muita gente querendo ajudar”.
Uma escola de artes e entretenimento do Recife, a Casa Mecane, disponibilizou o espaço para Mouammar dar aulas de violão. Essa é a profissão dele; a mulher, Nermim, é designer de roupas e chef de cozinha. Uma amiga de Bruna do banco doará uma moto para a família se deslocar. Comidas têm chegado na casa de Bruna e ela tem estocado porque diz: “Vem muita gente ainda. Semana que vem, por exemplo, chegam dois sírios aqui no Recife”.
Bruna tem em mãos uma lista com nome de refugiados, profissão, relação de necessidades de suprimentos alimentares para bebês que esperam doações e abrigo. Em Pernambuco, sessenta famílias disseram a ela “sim, posso acomodar um refugiado em minha casa”. Está com a amiga Dani Lins, fisioterapeuta, fazendo triagens e adequações de perfis. Procuradores do estado se dispuseram a orientar no processo de regularização dos documentos desses e de outros que vierem. Bruna tem recebido até milhas aéreas. Agora procura quem queira ensinar português. Apareceu uma empresa disposta a ajudar na construção de uma casa de transição para pessoas que precisam de abrigos temporários. Seria no terreno de Bruna. “Muita gente bacana. Isso só me fez ter fé no que eu estou fazendo”, disse-me Bruna Guedes, a moça de 26 anos que, não satisfeita em ver a guerra da Síria pela internet, transforma vidas aqui em Pernambuco.
P. S – Quem quiser ser solidário com mantimentos ou acomodações, Bruna usa o fone 97312 3677 com WhatsApp e e-mail brubenguedes@gmail.com. Você pode falar ainda com Dani Lins, no fone 99956-3113.