Em Foco 2010

Apoio psicológico de companheiros é essencial, espécie de remédio para  mulheres que fazem tratamento contra câncer de mama.

Silvia Bessa (texto)
Cecília de Sá Pereira  (foto)

A qualquer hora quando ele chegava em casa deitava na beira da cama, passava suavemente a mão sobre a cabeça dela e dava-lhe um beijo na testa. Tinha dias que insistia para um passeio, sabendo da fraqueza muscular da mulher que guiava os três filhos da família. “Que acha de uma pizza?”, propunha. Os meninos – de 13, 14 e 19 anos – eram testemunhas. “Pode ser um sorvete de creme?”, apelava, pensando no sabor preferido de Marylu. Magrão, ou Alessandro Rosa, goleiro ídolo do Sport, assim agia quando a mulher Marylu Cristina Rosa foi diagnosticada com câncer de mama no final de fevereiro de 2014, convalescia do pós-cirúrgico e depois das desgastantes sessões de quimioterapia e radioterapia.
“Ele foi muito amoroso comigo. Ligava o tempo todo. Acho que triplicou a quantidade de vezes”, contou Marylu. Amigos há 32 anos, apaixonados há 21 anos, o casal se tornou ativista em campanhas de combate ao câncer de mama. Outubro, como mostra a cidade vestida de rosa, é o mês-chave para a mobilização contra a doença. O dia de ontem marca internacionalmente a luta pela prevenção e combate ao diagnóstico, por este motivo procurei Marylu para ouvi-la sobre a importância do apoio psicológico do homem, marido, namorado, pai e irmãos ao longo de um tratamento difícil como esse. Ela me surpreendeu ao tentar quantificar estatisticamente a sua história de superação diante da doença quando me disse: “Eu acredito que 50% da cura se deve ao companheiro ou pessoas próximas. Essa não é uma conquista solitária”. 50%, friso.
Marylu descobriu o câncer depois de uma persistente busca. A mãe havia sido diagnosticada com a doença no mês anterior. A irmã, idem. Marylu fez os exames tradicionais, não existia nódulo palpável e nada foi revelado. Ela cobrava uma ressonância para investigar melhor a possibilidade. Acabou descobrindo um pequeno tumor no seio direito. Foi a três especialistas e, por fim, resolveu fazer a mastectomia, ou retirada total das duas mamas. Uma, por necessidade; outra, por prevenção. “Graças a Deus, foi a decisão no momento exato. Foi difícil, mas estávamos juntos”. Em casa, buscando informações, Marylu lia estarrecida uma informação na internet dizendo que “78%” dos homens abandonam as mulheres. “Aquilo me assustou. Não pelo meu relacionamento, mas por tantas mulheres que passam por esse momento sozinhas”.
Magrão contrariou o temor de muitas mulheres que, além de lidar com fragilidades físicas e emocionais de toda sorte, precisam driblar a insegurança da presença masculina. “Quando a gente tem o diagnóstico, essa notícia, a primeira coisa que se pensa é na família, então acho que cabe também à família o apoio. No meu caso, não tenho dúvidas de que o apoio de meu marido foi essencial”, declarou.
Do diagnóstico à cirurgia foram 45 dias. No dia que estava no bloco cirúrgico, o goleiro cumpria importante agenda de trabalho. Era 2 de abril de 2014 e ele representava o seu time de futebol na final da Copa do Nordeste. Marylu dessa vez não pôde assistir à partida. No mesmo horário, entrava num bloco operatório para a mastectomia. Ele entrou em campo comovido. Lembrava dela. Da responsabilidade como goleiro. “Entrei no banheiro e comecei a chorar”, disse ele à época. “Por trás de um grande homem, há uma grande mulher que luta, torce, chora e se alegra com a gente”, afirmou-me Magrão. A Marylu, que ontem me disse fazer questão de não alterar a rotina da família, ele dedicou o título esportivo conquistado naquele dia.
A parceria de Marylu e Magrão é exemplo. Depois da retirada das mamas (que ela recompôs com silicone), ela seguiu o tratamento convencional. Passou por 16 sessões de quimioterapia e enfrentou 28 sessões de radioterapia. Cansada, em alguns momentos pensou em não seguir todas as recomendações médicas. “É mesmo preciso?”, perguntava. Antes de pensar duas vezes, o marido respondia: “É”. E ela seguia a orientação dele.
Muito se ouve sobre prevenção e tratamento de câncer de mama. Desse remédio, o cuidado do outro, sobretudo do companheiro ou companheira, pouco se fala. Trato do tema porque penso que pode ajudar muitas mulheres na cura. Pernambuco (esse número me alarma) lidera a taxa de incidência de câncer de mama no Nordeste. São 51,6 novos casos para cada grupo de 100 mulheres. Somente nesse ano serão pelo menos 2,4 mil casos novos.
De abril a 15 de dezembro de 2014, Marylu esteve em tratamento. Seguindo o protocolo médico, ficará cinco anos tomando remédios anticancerígenos até ganhar alta. Será uma das doze estrelas da nova edição do “Guerreiras do Calendário” (parceria com o Rotary Club), projeto que será lançado nos próximos dias com a fotografia e história de doze mulheres que tiveram experiência de câncer de mama.