Não é fácil governar o Recife e ter reconhecimento popular. Na história da capital pernambucana já se chegou até mesmo às vias de fato. Traduzindo melhor: a política virou caso de polícia.
Foi o que ocorreu em 1892. No cenário nacional, Floriano Peixoto enfrentaria naquele ano as primeiras manifestações contra a sua permanência no cargo de presidente do Brasil.
Pela Constituição aprovada no ano anterior, o artigo 42 previa a realização de novas eleições no caso de ausência do mandatário, por qualquer causa, decorridos menos de dois anos do mandato.
Como o marechal Deodoro só ocupou a vaga legalmente por nove meses, esperava-se que Floriano Peixoto cumprisse a lei. Ele preferiu ignorar o artigo, alegando que ela só se aplicaria em presidentes eleitos pelo povo, o que não ocorreu com Deodoro.
A postura de Floriano desagradou até aos militares. No dia 6 de abril de 1892, treze generais e almirantes assinaram um manifesto exigindo a realização de eleições. Foram afastados da ativa. Sob pressão, o Congresso acabou legitimando o mandato do homem de ferro.
No Recife, revolta mesmo aconteceu no mercado de São José. Os comerciantes não gostaram do aumento das taxas públicas e chegaram a atirar pedras no prefeito Ribeiro de Britto.
Em 10 de agosto, o Diario registrou a primeira notícia do acontecimento ocorrido no dia anterior. “Tivemos de lastimar hontem nesta cidade uma exploração popular que mesmo sem grande alcance com referencia á perturbações da ordem, não deixou por algumas horas de trazer alarmada toda a população, apezar de localisado o movimento num ponto um pouco fóra do centro, ainda que popular da cidade”, informou o jornal, na grafia da época.
O Diario dedicou amplo espaço para explicar os motivos da confusão. De início, os comerciantes se recusaram a pagar as novas taxas e formaram uma comissão para tentar uma audiência com o governador do estado, o capitão Alexandre José Barbosa Lima. Indo até a sacada para falar à multidão, ele garantiu que tomaria as providências devidas.
Os comerciantes retornaram ao mercado, com o acompanhamento de dez soldados da guarda local. Assim que o efetivo policial se retirou, apareceu no mercado o prefeito, que foi logo cercado pelos locatários exigindo providências em relação às taxas.
De acordo com o Diario, o prefeito “longe de acalmar os espiritos e aconselhar que se mantivessem em attitude pacifica, pelas suas respostas deu lugar a que os animos se exarcebassem sendo lhe feita uma estrondosa manifestação de desagrado atirando-lhe o pessoal adventicio varias pedradas; uma das quaes attingindo-o produziu lhe ligeiras escoriações”.
Avisado por telefone, o chefe de polícia foi ao local e falou com o prefeito, que estava refugiado numa padaria na Rua Direita, que havia sido atingida pelas pedras. Ribeiro de Britto se recusava a sair do prédio. Quatro guardas chegaram a apontar as armas para a multidão. Por pouco havia um banho de sangue.
O chefe da polícia conseguiu acalmar os ânimos, mas as manifestações de protesto continuaram no dia seguinte. “Continuaram hontem as amotinações no Mercado Publico de S. José, felizmente sem facto algum lamentavel a registrarmos”, registrou o jornal. No dia 15 de agosto, Ribeiro de Britto é derrubado pelo governador, que nomeia um intendente.
Inaugurado no dia 7 de setembro de 1875, o mercado de São José, construído no mesmo local do Largo da Ribeira do Peixe, é o mais antigo edifício pré-fabricado em ferro no Brasil.
O material foi trazido da Europa a partir de 1871, obedecendo ao projeto do engenheiro Louis Lieuthier, que se inspirou no Mercado de Grenelle, de Paris. Outro engenheiro francês, Louis Léger Vauthier, o responsável pela obra, já havia construído o Teatro de Santa Isabel.