Em Foco 2110

“Quem fica só dizendo que as coisas são ruins, muito ruins, e não vê o que há de bom, o que acaba fazendo é… nada”

Vandeck Santiago (texto)
Jaqueline Maia (foto)

Eu não sei vocês, mas eu sou de um tempo em que toda estatística de repercussão que aparecia sobre o Nordeste era negativa. Éramos a região condenada à miséria, incapaz de vencer os desafios do progresso. Ainda temos muitos problemas (agravados pela crise), mas conseguimos quebrar o ciclo do eterno pessimismo, e a situação hoje é outra. Vi ontem um exemplo claro disso na opinião de um conceituado intelectual brasileiro, o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro – que, como vocês sabem, não é nordestino, mas paulista. Ao dizer-se “indignado” contra aqueles que afirmam que “nada-adianta, nada-se-faz” na educação brasileira, o ex-ministro foi buscar sabe onde o contraponto desse pessimismo? No Nordeste.
“A MELHOR escola pública de ensino médio do Brasil fica no sul do Ceará. Em Mauriti. Quantos já ouviram falar dessa pequena cidade?”, afirmou ele em longo post publicado no seu perfil do Facebook (o “melhor” da frase transcrita está em maiúsculas porque foi assim que ele escreveu). Renato destacou ainda a experiência da educação no Ceará, cujo avanço na área classifica de “genial”.
Ao destacar o feito da escola de Mauriti (cidade com menos de 50 mil habitantes, a 516 km de Fortaleza e a 90 km de Juazeiro do Norte), o ex-ministro está referindo-se ao ranking das melhores escolas públicas de ensino médio do Brasil, de acordo com as notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2014. O resultado foi divulgado em agosto passado, pelo Inep (Instituto de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira).
Nele foram consideradas as escolas de grande porte (com mais de 90 estudantes no Enem), em que mais de 80% dos alunos cursaram todo o ensino médio lá e com estudantes de nível socioeconômico baixo ou muito baixo. Se o único lugar de destaque neste ranking fosse o obtido pela Escola Estadual de Educação Profissional Padre João Bosco de Lima, de Mauriti, eu ainda o estaria pondo em relevo aqui, dado que ficar em primeiro numa concorrência nacional vale todo destaque possível. Mas, não. Não foi só Mauriti que brilhou aí neste levantamento. As dez escolas mais bem colocadas no ranking, são do Nordeste. TODAS ELAS (agora as maiúsculas são minhas) são do Nordeste. Duas do Ceará (1º e 2º lugar), uma da Bahia (7º), uma de Sergipe (8º) e seis de Pernambuco (3º, de São Vicente Férrer; 4º, Sairé; 5º, Exu; 6º, Jurema; 9º, Dormentes, e 10º lugares, Passira). Mesmo com todas as relativizações que se possa fazer a esse tipo de ranking, o fato é que estamos diante de um resultado impressionante.
Em comentário a outro post, Renato Janine Ribeiro torna ao assunto: “Então, quero dizer bem claramente: quem fica só dizendo que as coisas são ruins, muito ruins, e não vê o que há de bom, o que acaba fazendo é … nada. Muita gente não faz nada justamente porque diz que tudo está tão ruim que não adianta. Podem dizer e não-fazer por ingenuidade. Mas serve de ótima desculpa, havemos de convir, para não somar esforços a quem está trabalhando de verdade”.
As paixões políticas, as dificuldades do presente e o nosso hábito de só focarmos no presente não nos deixam ver com clareza, mas para mim não há dúvidas que algo se move nas profundezas do Nordeste, e se move para melhor, como se vê nos dados divulgados pelo Inep. Não é algo tangível como uma fábrica que se instala em um local e muda a configuração econômica do lugar; é algo intangível, que tem a ver com a mente e as habilidades das pessoas. Os alunos dessas 10 escolas (e de centenas de outras), por exemplo – todos em condições de trilhar um futuro que não esteve acessível aos seus pais. Lembro de, em reportagem que fiz sobre a região, ter passado no município de Maravilha (AL), cidade onde há réplicas em tamanho natural de espécimes da megafauna pré-histórica que viveram lá. Vi uma senhora idosa caminhar em direção à escultura de um tigre dentes-de-sabre, e a cena (fotografada pela colega Jaqueline Maia) me pareceu a alegoria de um Nordeste preso à tradição tendo que enfrentar um desafio superior às suas forças. Mas isso já passou. O tigre dente-de-sabre é passado. A senhora idosa vai encerrar sua caminhada. E cedo ou tarde virão à tona as mudanças que hoje se movem silenciosamente nas profundezas de nossa região.