Em Foco 2510

O que o nosso (mau) comportamento nas compras revela sobre nós, e porque isso tem mais importância do que imagina a nossa paciência.

Vandeck Santiago (texto)
Rafael Neddermeyer (foto)

Você está na fila do supermercado. À sua frente encontra-se uma senhora com uma cesta com meia dúzia de produtos. Chega a vez dela. Então ela se vira e grita “Amor!”. Aí vem ‘amor’ com um carro abarrotado de produtos e passa para juntar-se à mulher. Trata-se de uma prática conhecida nossa: vão duas ou três pessoas fazer compras. Cada uma fica numa fila. Quem chegar primeiro no caixa chama os demais. Minha gente…
Dizem que o pior do ser humano aflora quando ele conquista algum poder. Deve ser. Mas compras em supermercado também são espaços preferenciais para esse tipo de manifestação. Algumas práticas eu pensei que eram típicas do Recife. Postei nas redes sociais. Vieram mensagens de quase todo o Brasil: “Aqui também é assim!”.
Outro hábito clássico: a pessoa coloca alguns produtos no carrinho, leva-o para a fila e o deixa lá, enquanto sai para finalizar as compras. Dá umas três ou quatro viagens, porque não trazer tudo de uma vez. E aí você que está atrás é que vai empurrando o carrinho do consumidor fantasma. Não adianta ter esperanças de que ao chegar diante do caixa o consumidor fantasma estará longe e você poderá colocar o carrinho dele de lado para passar as suas compras – neste momento ele sempre aparece. Impressionante…
Tanto no caso da ocupação coletiva das filas quanto do carrinho solitário, você pode reclamar quando isso lhe acontecer. Só esteja preparado para uma boa discussão. Quem faz isso não acha que está furando fila, trapaceando, tomando o lugar do outro, cometendo um gesto de má educação – ou, se acha, considera que todo mundo faz, logo não há mal nenhum em também fazer.
O problema não acaba após passar pelo caixa. É comum – sobretudo em dias de grande movimento – que ao sair você encontrará carrinhos espalhados pelo estacionamento, à frente, ao lado ou atrás do seu veículos. Jogados como se o consumidor fantasma ou ‘amor’ e sua simpática senhora tivessem desesperadamente fugido de uma invasão zumbi.
Certa vez perguntei a um gerente por que o estabelecimento não colocava placas pedindo, educadamente, que evitassem aquelas práticas. Sou um crédulo convicto no efeito das placas; creio no poder educativo e coercitivo delas. A placa dá legitimidade à sua reclamação, desnuda a infração, cria o ambiente para que você, sem entrar em bate-boca, externe para o outro seu desagrado apenas olhando para ela. E acredito que muitos atos são praticados porque as pessoas não estão informadas que deveriam agir de outra forma. “Se a gente fizer isso, vai criar problema com o cliente”, me respondeu o gerente. Acredito que não; placas escritas em tom cortês, sem aquele tom do inspetor Javert d’Os Miseráveis, podem até ser objetos da simpatia geral. Presumo, no entanto, que um gerente deve entender disso mais do que eu. Além do mais, em nenhum lugar do Brasil tem placas com este teor. Se no país inteiro não tem…
Por que falar disso? Para a ordem geral das coisas, que importância tem o nosso comportamento nos supermercados? Talvez não tenha importância alguma. Mas creio que seremos uma sociedade melhor no dia em que, em qualquer ambiente, não mais desrespeitarmos o direito dos outros.