Há 85 anos, uma mulher circulava pelas ruas do Recife prestes a encerrar a sua história. O veneno (suicídio? assassinato?) foi o triste epílogo da paraibana Anayde Beiriz, 16 dias depois da execução, na Casa de Detenção (hoje Casa da Cultura) do seu amante, João Dantas, matador de João Pessoa, crime que detonou a Revolução de 1930, levando Getulio Vargas ao poder. Estava com 25 anos de idade.
Professora, poetisa, frequentadora de saraus, aluna do primeiro curso de datilografia da Paraíba, Anayde havia saído do seu estado por causa do “linchamento moral” que sofreu depois que a intimidade de sua relação com Dantas foi exposta em cartas e fotos no jornal “A União”, órgão do governo da Parahyba do Norte. Com a morte de João Pessoa, renegada pela própria família, veio buscar guarida em Pernambuco.
No Recife, conseguiu se encontrar a duras penas com o amante preso. Estava hospedada no Asylo Bom Pastor, no bairro da Madalena, um local onde, segundo descrição do Diario de Pernambuco, “se abrigam as infelizes que foram desviadas do caminho do bem, regenerando-se para a volta do seio da comunhão social”.
Às 11h de 22 de outubro de 1930, Anayde dava o último suspiro. Seria enterrada como indigente no mesmo dia. O jornal não registrou nenhuma linha sobre seu passamento. A revolução havia triunfado. Para os vencedores, os traidores mereciam ser esquecidos.
Mas Anayde Beiriz não foi apagada da história. Ressurgiu como uma pioneira da liberdade feminina nordestina e brasileira da primeira metade do século passado. Em 1983, a cineasta Tizuka Yamazaki leva para as telas a adaptação do livro escrito três anos antes por José Joffily (“Anayde Beiriz, paixão e morte na Revolução de 30”) com o título de “Parahyba Mulher Macho”. A personagem foi interpretada por Tânia Alves. Anayde também foi resgatada pela academia. Historiadores e escritores buscaram recuperar a sua pouca obra que resistiu à destruição por ter sido “imoral” para a época.
Defensora do voto feminino, ela ensinava adultos e escandalizava os paraibanos com seu figurino e o cabelo curto, à la garçonne. Namorar um homem com o dobro de sua idade também contribuía para a fama da mulher que tinha o apelido de “Panthera dos Olhos Dormentes”. Em 1925, havia vencido um concurso de beleza patrocinado pelo Correio da Manhã.
Foi colaboradora, em 1928, da Revista da Cidade, no Recife, publicação semanal que estampava fotos de moda e criações literárias ao gosto modernista. Sobre o Diario de Pernambuco, não é verdade a informação de que ela teria solicitado, em correspondência à freira que a abrigou no Bom Pastor, que após a morte seu corpo fosse autopsiado, para provar que era virgem.
Em 2013, a ilustradora Luyse Costa lançou o livro “Anayde Beiriz: Uma Biografia em Quadrinhos”, patrocinado pelo Fundo Municipal de Cultura da Prefeitura de João Pessoa. A história não para.