Em Foco 0811

São 93 anos de vida e 75 de uma carreira das mais vitoriosas no país, porém, dona de invejável vitalidade, a filha de Procópio nem pensa em deixar os palcos.

Luce Pereira (texto)
Arte de Jarbas sobre foto de William Aguiar (imagem)

Teatros sempre lotados quando Bibi Ferreira resolve entrar em cena, emprestando a garganta para dar vida ao repertório de alguma estrela da MPB ou da música internacional. Olhando-a com a desenvoltura de sempre no palco e uma vitalidade que Deus parece ter dado somente a ela, é normal duvidar do óbvio e achar improvável, um dia, as cortinas se fecharem de vez diante da voz silenciada. Já são 93 anos e nenhum talento para a aposentadoria, algo somente possível se virar passarinho impossibilitado de seguir maravilhando com seu canto. Nem pensa nisto e, de resto, não pensa em mais nada a não ser na própria arte e nos planos para levá-la cada dia mais longe. Depois de encerrar a turnê nacional do espetáculo com canções de Frank Sinatra, visto ontem, no Recife, a agenda aponta para Nova York, logo em fevereiro. Sem qualquer sinal de cansaço ou mesmo reflexo do infarto que sofreu recentemente, quem não gostaria de saber a receita de longevidade tão bem aproveitada?
A resposta poderia estar no amor pelo ofício, mesma razão capaz de manter a também atriz Fernanda Montenegro (nascida Arlett Pinheiro Esteves Torres), 86, como uma locomotiva que viaja a velocidade constante. Enquanto aplausos frenéticos traduzem a estatura da arte de ambas, olhares de espanto servem para traduzir a surpresa diante da vitalidade, que bem poderia funcionar como alento a pessoas insatisfeitas com a repercussão da chegada aos 60 anos. O exemplo das duas, aliás, cai como uma luva para os questionamentos sobre a decisão da Previdência Social de enxergar um idoso em um indivíduo que se encontra em plena capacidade produtiva, nesta faixa etária. Também como exemplos que desmoralizam a tese da aposentadoria aos 60-65 anos, elas merecem aplausos e muito respeito.
Mas, voltemos à “forma invejável” de Bibi Ferreira e aos aliados dela. Na lista, um que inclusive nem parece combinar com a agitada rotina das estrelas – vida simples, com folga para não pensar em nada quando está fora dos palcos. Nestes intervalos, gosta de se apropriar do próprio tempo e senti-lo seu, podendo gastá-lo em longas horas no sofá, sem qualquer compromisso com relógios. Por amor ao ofício, não fuma, não bebe, não vive em festas e mal acaba um projeto já está construindo outro, o que acaba ajudando a manter a atividade intelectual também em boa forma. Agora, por exempo, começa a considerar a possibilidade de reunir músicas de Dorival Caymmi em outro espetáculo, pois se desmancha em elogios à obra. Nada complicado para quem interpretou a francesa Edith Piaf e a musa do fado, Amália Rodrigues.
A “atriz que canta” poderia, a esta altura, estar sentindo saudade de casa, sem disposição para encarar longos dias fora dela, mas, que nada: é como se nem houvesse saído. A dedicação ao trabalho acaba por tornar o mundo extremamente familiar e ela se abandona à tarefa sem lamentos. Quer apenas deixar satisfeito o público que a acompanha e que se comove sem economias durante cada espetáculo. Ao ver a mulher que, embora fique em pé durante todo o tempo em cena, caminha devagarinho, têm vontade de aconselhar que ninguém se engane – aquela é Bibi Ferreira, dona do seu tempo. Quando ela canta, a figura frágil desaparece sob o impacto da voz poderosa e se impõe a artista que o país aprendeu a admirar. Entre aplausos e elogios rasgados, lá se vão quase 75 anos.