Em Foco 30.11Após dez anos em diferentes funções no governo, Amparo Araújo, fundadora do Movimento Tortura Nunca Mais, está de volta à sociedade civil para fortalecer a luta em prol dos direitos humanos.

Marcionila Teixeira (texto)
Brenda Alcântara (foto)

Amparo, cujo nome remete à doação, anda livre, leve e solta. É ela mesma quem diz. Desde o início do ano, deixou o cargo na Secretaria Estadual de Articulação Internacional para voltar a por os pés onde mais gosta: na sociedade civil. Amparo Araújo, 65 anos, iniciada na luta contra a ditadura militar desde os 14 anos, em pleno “fervilhar dos hormônios”, andou refletindo sobre o seu papel de ativista de direitos humanos após dez anos em funções públicas. Descobriu algo incômodo. As pessoas já não lhe viam mais como a fundadora do Movimento Tortura Nunca Mais, criado em 1986. “Passaram a me ver apenas como um cargo no governo. Agora me olham novamente como pessoa”, pensa.
O valor de estar do lado do governo, entretanto, é inquestionável, na opinião de Amparo. Somente assim, diz, observou, sob outro ângulo, a correlação de forças entre sociedade civil e governo. “A gestão pública não é inimiga dos direitos humanos. É preciso dialogar e o diálogo é difícil. Também é difícil ser gestora pública porque as leis não saem do papel”, reflete.
Amparo fala com propriedade. Entre 2007 e 2015, também assumiu os cargos de ouvidora da Secretaria de Defesa Social – ouvindo denúncias contra policiais – e de secretária de Direitos Humanos da Prefeitura do Recife. “Ser ouvidora foi fantástico. Passei a maior parte de minha vida procurada e depois passei a cuidar dos mal feitos da polícia. Muito bom perceber a confiança das pessoas em mim”, lembra.
Do lado de cá, Amparo prega a necessidade de mudanças na forma de luta para fortalecer o movimento de direitos humanos. “Percebo como os movimentos sociais estão fragilizados. Não têm mais a força que tinham para reivindicar políticas públicas. Acredito que isso se deve a não renovação dos integrantes e à morte de alguns. Além disso, aconteceram avanços ao longo dos anos e algumas lutas terminaram em segundo plano”, pensa.
Não é só isso. Um fator gravíssimo para o suposto enfraquecimento dos movimentos sociais, sugere Amparo, é a criminalização dos mesmos por parte de agentes de estado que violam os direitos humanos. “Como não há justiça e por terem certeza da impunidade, eles continuam a violar direitos. Nesse momento, tem alguém sendo torturado em delegacias daqui e do resto do Brasil, com certeza”.
A criança que pegava escondida alimentos do armazém do avô para entregar a pessoas pobres de Palmeira dos Índios, em Alagoas, lugar onde viveu, levou comportamentos para a vida adulta. Ingressou como militante na Ação Libertadora Nacional (ALN), perdeu três companheiros e um irmão para a ditadura e formou-se em serviço social pela Universidade Federal de Pernambuco antes de chegar ao governo, convidada pelo ex-governador Eduardo Campos (PSB), partido ao qual é filiada.
No último dia 17, Amparo Araújo foi homenageada na categoria direitos humanos do Prêmio Orgulho de Pernambuco, entregue durante as comemorações dos 190 anos do Diario de Pernambuco. Perguntei se ela pensa em voltar ao governo após dez anos de experiência e da sensação de estar “livre, leve e solta”. “Não voltaria. No momento não”, disse Amparo. O movimento de direitos humanos agradece.