Em Foco 02.12

A ameaça trazida pela “prima” da dengue tornou-se tão feroz que não há outro remédio senão colocar todos na frente de batalha.

Luce Pereira (texto)
Greg (arte)

Com um provérbio português – por cima de queda, coice – a população pobre lastima que o zika vírus, possível causador da terrível microcefalia, marche vigoroso sobre um cenário onde a esperança já se encontra esmorecida pelos solavancos da economia. Mas é sempre assim e a História não se cansa de mostrar: quando a saúde pública passa a ser o retrato fiel, reflexo de equívocos protagonizados pelas esferas mais expressivas de poder, o país fica vulnerável a ataques de toda natureza. Agora a ameaça trazida pela “prima” da dengue tornou-se tão feroz e assustadora que não há outro remédio senão colocar todos na frente de batalha: ou a população passa a perseguir o mosquito como se ele fosse de fato o inimigo que é ou esta será uma guerra com saldo imprevisível – dramático, em outras palavras.
Diante de urgência tão grande melhor nem chorar o leite derramado, o fato de o combate à dengue, em décadas, nunca ter sido eficaz, porque fruto de políticas públicas falhas – a começar pela forma de envolvimento da população, sem o apoio da qual qualquer mosquito com “DNA de guerra” pode vencer o país em dois tempos. Não considere este raciocínio alarmismo, por favor. Lembre-se que, em casos de epidemia, a primeira e última decisão dos governos é deixar as estatística sobre internamentos e óbitos em níveis “aceitáveis”. Isto porque não interessa a nenhum, a partir da divulgação do quadro real, abrir espaço para um cenário de pânico, o que só ajudaria a atropelar o processo de busca por estratégias de combate rápidas e certeiras.
Trocando em miúdos, longe de conhecer a real dimensão do problema e assistindo à correria que se desenrola nos bastidores das instituições ligadas à saúde, em busca do antídoto para impedir o avanço da doença, o melhor que a população faz é ir vestindo o uniforme de guerra. Por falta de coragem, clareza e senso de urgência, muitas já foram perdidas, com consequências inesquecíveis para os derrotados. O quadro não chegou a ser tão ameaçador assim nos anos 1970, quando a vertiginosa escalada da meningite tirou o sono dos militares no poder, porque já havia uma vacina em fase de testes, desde alguns anos antes do auge da epidemia. Hoje, constatada a relação entre o zica vírus e a microcefalia, o que sobram, no entanto, são dúvidas. Muitas das questões ainda se mostram nebulosas para a ciência, mesmo em países que se anteciparam a um possível alastramento da doença.
Num primeiro momento, diante da explosão de casos, sobretudo em Pernambuco (atualmente, 646 notificações, segundo estatísticas oficiais), a desorientação do governo federal foi tamanha que o Ministério da Saúde chegou a aconselhar mulheres a desistir da ideia de gravidez. Depois passou a sugerir às grávidas que se vistam da cabeça aos pés e busquem o auxílio de repelentes disponíveis no mercado. Imagine-se a tortura de uma gestante, por nove meses vivendo o pesadelo de ser picada pelo Aedes aegypti, tendo a rotina transformada em missão de sobrevivência. Por fim, o ministro Marcelo Castro disse que não faltarão recursos para combater a doença (Pernambuco anunciou R$ 25 milhões). Diante das providências divulgadas pelo Ministério, a princípio insuficientes para enfrentar o mosquito, só resta (a todos) uma saída: entrar ou entrar na guerra.