Em Foco 03.12

Petistas rebeldes assinam pedido de afastamento do presidente da Câmara, que usa a mesma arma, a caneta, para aceitar abertura de processo de impeachment contra a presidente.

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

Subiram labaredas por todos os recantos da Câmara dos Deputados, ontem, mas só os próximos meses vão dizer se a maior vítima do incêndio protagonizado pelo presidente da casa, Eduardo Cunha, e a presidente Dilma Rousseff não será, mais uma vez, o povo brasileiro. Ao ver a parte “rebelde” da bancada petista assinar o pedido de afastamento dele do cargo, protocolado pela Rede e o Psol no Conselho de Ética da casa, Cunha sacou da manga a carta mais temida pelo Palácio do Planalto e em resposta (embora alegue razões “técnicas”) aceitou a abertura de processo de impeachment requerida pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, o primeiro, ironicamente, um dos fundadores do PT. A guerra que vinha sendo segurada pelos dois lados, em um jogo de poder sem precedentes na história da Nova República, foi decretada depois de ameaças, manobras radicais e jogos de cena que revelaram verdade absolutamente incômoda e irrefutável: a mais alta casa da política brasileira tem se superado em trabalhar por interesses que estão longe de representar as necessidades do país.
Quem teve paciência (e estômago) para acompanhar o jogo de ameaças veladas de ambos os lados, sem perder os principais lances das batalhas na mídia e nos bastidores, viu, por exemplo, uma das grandes revistas de circulação nacional divulgar nota onde o presidente da Câmara aparecia, em encontro com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, usando palavras completamentes estranhas ao dicionário do decoro. O tom de desagrado lembrava ao governo que “daquele jeito” a casa não iria aprovar o pacote de ajuste fiscal, combatido desde a primeira hora por barulhentos e raivosos sindicalistas. Pressionado por todos os lados por uma onda de denúncias que o colocava na mesma tábua de náufragos onde já se encontravam suspeitos no escândalo da Petrobras, Cunha não queria aparecer como avalista de medidas impopulares.
A quarta, também neste quesito, revelou-se ingrata para ele e o ministro acabou sorrindo de orelha a orelha com a aprovação, por 252 votos favoráveis a 227 contrários, do texto-base da Medida Provisória nº 665, que altera as regras de concessões de seguro-desemprego e abono salarial, por exemplo. Neste caso, não foi o governo a ficar mais forte, mas o presidente a ficar mais frágil. Levy só não pôde comemorar em grande estilo com a “chefe” em virtude do estrago causado pela caneta de Cunha, que, se não conseguir tirar Dilma do comando do país, vai obrigá-la a uma defesa no mínimo desgastante. Lembremos que o mesmo processo enfrentado pelo ex-presidente Fernando Collor de Melo se arrastou por seis meses.
Numa tarde de “trocos” mútuos entre as duas figuras mais representativas do “nó” em que se transformou a política brasileira, Dilma correu para a televisão logo após quase virar ré no processo aberto pelo maior desafeto na Câmara. Ligados os refletores, reiterou o que diz sempre: recebeu o mandato do povo brasileiro e não há nenhum ilícito praticado por ela ou suspeita de desvio de dinheiro público. O próximo capítulo, com Eduardo Cunha enfraquecido pelas canetadas do Psol, da Rede e dos “rebeldes” do PT que fugiram à orientação do Planalto para não “cutucar o inimigo com vara curta”, é a criação de uma comissão especial destinada a elaborar o parecer – pelo arquivamento ou prosseguimento do processo. Se 342 dos 513 deputados (dois terços) votarem por esta última opção, Dilma precisará se afastar por 180 dias e o Senado então proferirá a sentença. Mas não custa refletir sobre o preço pago por países que sucumbiram a teses de golpismo: a democracia deles se assemelha àquele doente que vive apenas porque o coração insiste em continuar batendo.