Em Foco 0412
Impedir o encontro da chispa com a palha seca é a melhor maneira de evitar problemas. O difícil é conseguir ver onde estão a chispa e a palha.

Vandeck Santiago (texto)
Rovena Rosa/Agência Brasil (foto)

Acontecimentos como este de São Paulo, em que estudantes ocupam escolas ameaçadas de fechamento por medidas do governo Geraldo Alckmin, ou aqueles de Brasília, em que a presidente Dilma Rousseff terá de defender-se de um processo de impeachment, ou outros envolvendo grupos empresariais em diversos pontos do Brasil (Pernambuco inclusive), levantam algumas questões: Por que a situação chegou aonde chegou? O que deveria ter sido feito para não deixar a crise evoluir tanto? Como agir agora que a crise esparramou-se na sala?
Crises tornaram-se algo tão comum na atividade pública e privada que já temos hoje até os especialistas em “gestão de crises”. Não sou um deles, mas a minha experiência como jornalista cobrindo esses casos me diz que a melhor forma de “gerir crises” é evitando que aconteçam.  Agir antes que haja o encontro da chispa com a palha seca, porque depois do incêndio iniciado tudo fica mais difícil. De modo geral, porém, governantes, autoridades, grupos empresariais poderosos, celebridades, costumam agir com arrogância quando os problemas começam a brotar; creem que com o poder que têm poderão superá-los antes que virem algo maior.
Basta dar uma olhada no noticiário para ver que não, senhores e senhoras, não é assim que acontece.
Tentarei mostrar aqui que com o raciocínio correto é possível divisar as fagulhas antes que elas desencadeiem o incêndio. Antes permitam-me relembrar um episódio que é uma espécie de modelo padrão para encontrar o raciocínio. Ocorreu nas eleições para governador de Pernambuco, em 1986, durante um debate na TV Globo. Alguns dias antes camponeses haviam acampado diante do palácio do Governo. Se eleito, o que o candidato faria com aquela ocupação? O primeiro a responder foi José Múcio Monteiro, que disputava pelo PFL (partido então no poder), e que depois trilharia bem-sucedida carreira. Disse que manteria o diálogo aberto, que ouviria as reivindicações dos ocupantes, teria um comportamento marcado pelo respeito democrático.  Era a resposta que na situação dele a maioria daria. Quando a pergunta foi dirigida ao candidato oposicionista Miguel Arraes (PMDB), ele respondeu de bate-pronto: “Comigo a ocupação nem aconteceria”. Nunca esqueci dessa resposta. Foi um gol de placa. Antecipava-se ao problema e já deixava a resposta do adversário obsoleta.
Para algo não acontecer, é preciso agir no sentido de impedi-lo, e isso só é possível se você tentar vislumbrar o movimento futuro daquilo que mal começa a se mexer. Algo como o raciocínio do jogador de xadrez:  depois do meu lance, como o adversário pode responder? O que ele pode fazer capaz de me causar danos? Tomemos a questão de São Paulo como parâmetro. Na hora de tomar a decisão que está sendo combatida como “fechamento de escolas”, os responsáveis poderiam pensar: O que acontece depois dessa medida? Quem pode reagir? Que implicação política pode ter? Se der errado, o que pode acontecer? Qual o pior cenário? Como agiremos se acontecer o pior cenário? Quem será o mais atingido? Como identificar os sinais de que o pior cenário está se montando? Onde estão os pontos vulneráveis dessa medida e como defender-se se eles forem percebidos pelos adversários? Como os adversários podem utilizar-se das consequências dessa medida para nos atacar? Com um roteiro desses, por exemplo, o senador Delcídio do Amaral nunca teria entrado naquele quarto de hotel para a reunião que o levou à cadeia. As perguntas levariam a respostas do tipo: “Podemos ser vistos. Alguém pode gravar a conversa. Alguém mais tarde pode contar tudo, ou ser descoberto. Cadeia”. O roteiro serviria também  para a presidente que nos primeiros dias do seu mandato toma medidas que contrariam o que disse na campanha (e nem explica à população as razões das medidas que tomou). E teria serventia também para o grupo empresarial que nunca foi contestado, e que desdenha as primeiras manifestações que surgem contra alguns dos seus atos, considerando que do outro lado estão “meia dúzia de desocupados”.
Quem lida com o público deve estar sempre atento ao imponderável – a realidade aparentemente mais sólida pode mudar de repente (lembram das Jornadas de 2013? O governo tinha altos índices de popularidade, festejávamos o fato de sediarmos a Copa e a Olimpíada, e subitamente tudo virou de pernas para o ar).  Atribui-se a um governador de Pernambuco (Etelvino Lins, 1952-1955) uma história engraçada sobre isso.  Ao final de reuniões com auxiliares e aliados para analisar medidas a serem adotadas e cenários políticos, depois que todo mundo tinha falado ele perguntava: “E o imponderável, minha gente?…”
O fato é que em toda época sempre há a chispa e sempre há a palha seca. Impedir que elas se encontrem é a receita para evitar crises.