Em Foco 05.12Escritor e jornalista vive momento glorioso na carreira com o reconhecimento do livro mais recente após período doloroso criado por um acidente vascular cerebral.

Fellipe Torres (texto)
Bernardo Dantas (foto)

A duas semanas do aniversário de 68 anos, o escritor salgueirense Raimundo Carrero não passa por nenhum inferno astral. Ao contrário, alegra-se por estar com a agenda cheia de homenagens e reconhecimentos importantes de sua obra, como o prêmio Orgulho de Pernambuco, concedido pelo Diario de Pernambuco há poucos dias, e o troféu conquistado nesta semana junto à Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) pelo livro O senhor agora vai mudar de corpo, no qual ele romanceia o acidente vascular cerebral enfrentado há cinco anos.
Alguns tributos são de menor porte, mas emocionam o romancista tanto quanto. É o caso de uma placa recebida por um grupo de músicos atuantes no Recife na década de 1960, na cena musical da Jovem Guarda. Isso porque Carrero tocava saxofone na banda Os Tártaros, antes de se entregar à literatura e escrever romances reconhecidos, como A história de Bernarda Soledade, As sementes do Sol e A dupla face do baralho. Com a extinção do grupo, entrou no Diario de Pernambuco em 1967, como estagiário (naquela época, não havia remuneração).
Como o próprio Carrero define, era uma fase de transição importante: os primeiros cursos de jornalismo estavam sendo criados e havia muito despreparo por parte dos repórteres, cujos textos eram escritos quase sempre na primeira pessoa. Havia, inclusive, repórteres analfabetos, como era o caso de Manuel Guerra, o Guerrinha. Apesar de não saber assinar nem o próprio nome, tinha faro suficiente para apurar notícias como poucos, relembra Carrero. Para o autor de Sombra severa, o caráter de “jornalismo panfletário” daquela época só passou a se dissipar por influência do “jornalismo científico” surgido nos anos subsequentes.
Nos dois primeiros anos de carreira no jornal, fazia de tudo, desde matérias factuais, reportagens mais elaboradas, até a tradução das notícias recebidas em espanhol via telex. Por viver sem dinheiro, escolhia um amigo por dia para arranjar mil cruzeiros, o suficiente para jantar um prato de sopa, um pão e um copo de água.
A virada de jogo aconteceu em meados de 1969, quando foi enviado ao município de Lagoa Nova, no Rio Grande do Norte, para acompanhar o caso de uma criança de 6 anos supostamente capaz de enxergar a imagem de Nossa Senhora. Enquanto nenhum jornalista conseguia fazer a garota falar, Carrero foi até uma barraca e comprou uma boneca para conquistá-la. Deu certo. A partir de então, passou a enviar uma página inteira de notícias por dia.
De volta ao Recife, teve a carteira assinada. Passou a cobrir o setor de transporte e comunicação, com o dever de entregar quatro ou cinco matérias por dia. Às vezes, pela dinâmica própria do jornalismo, madrugava na redação. Em outras, pela boemia típica daquele tempo, via o Sol nascer no bar próximo do trabalho, o Portuguesa, onde a noite era regada a cerveja e chambaril. De manhã, tomava banho no próprio jornal e se enxugava com papel toalha. “A gente chegava a comer e beber enquanto trabalhava. Naquele tempo o jornalismo era uma coisa orgânica. A gente não podia viver sem”, resume.
Em 1973, foi promovido para editor da página policial, justamente em um momento político complicado, de ditadura militar. Depois de rápido período como editor de segunda-feira (àquela época, uma edição diferenciada, com assuntos mais leves, como futebol e praia), tornou-se chefe de reportagem, em 1976. Permaneceu no Diario de Pernambuco até 1991. Aliás, permanece até hoje. Talvez não no batente da redação, mas, sem dúvida, pela grandeza da obra ficcional, tem espaço garantido nas páginas do jornal.