Em Foco 08.12Os casos mais pitorescos nas declarações do Imposto de Renda são um retrato da convicção de muitos brasileiros em tentar burlar a Receita.

Vandeck Santiago (texto)

Você lê e não acredita, mas é verdade: na declaração do imposto de renda deste ano a mesma pessoa identificada como empregada doméstica apareceu nas declarações de 502 contribuintes. Não foi um, nem dois, nem três – foram exatamente 502. Um outro caso, mais modesto na quantidade porém semelhante no modo de operar, tinha o mesmo dependente incluído nas declarações de 80 contribuintes diferentes. Outro colocou como dependente uma pessoa de 130 anos – que, se viva estivesse, seria a mais velha não só do Brasil, mas do mundo. Há casos ainda de homens que colocam na declaração despesas deles com ginecologistas, ou de pais que alteram a idade dos filhos, e repetem a prática de forma que a cada ano que passa os filhos vão ficando mais jovens – uma espécie de Benjamin Burton da sonegação na vida real.
Estes são alguns exemplos mais ostensivos, elencados pelo superintendente de fiscalização da Receita em SP para o jornal Estado de S. Paulo. Mas não são casos isolados. Em abril deste ano a Receita informou que iria fiscalizar 280 mil contribuintes por indícios de fraude. O resultado ainda não saiu. Ano passado, quase um milhão de contribuintes caíram na malha fina – metade deles por omissão na declaração de rendimentos. “Cair na malha fina” não significa, necessariamente, ser sonegador. As declarações ficam retidas nesta “malha” para eventuais correções de erros.
Mas o fato é que tentar diminuir a quantia a ser paga de imposto ou aumentar a restituição a ser paga continua como uma meta buscada por muitos brasileiros, na declaração do imposto de renda. É uma prática nacional, muitas vezes erroneamente tratada como “criatividade”, e realizada como se fosse algo “normal”, ou no máximo um delito menor. Esta é uma das explicações para o fato de haver quem se atreva a cometer o maior disparate sem temor de ser pego (na história da empregada em 502 declarações, o culpado – um contador – foi identificado). Trata-se de um comportamento sintetizado naquele cartaz erguido por um manifestante durante ato de protesto contra o governo federal, realizado em São José do Rio Preto (SP), em abril, com os dizeres “Sonegação não é corrupção!!!” (assim mesm o, com três pontos de exclamação).
“Para os contribuintes que se julgam espertos, não basta sonegar. Eles precisam contar para o colega do lado como fazer isso”, afirmava também em abril o subsecretário de fiscalização Iágaro Jung Martins, referindo-se não ao caso do cartaz, mas a uma prática que a Receita já havia identificado: a de que em determinados órgãos públicos havia ocorrido um “aumento significativo” no total de funcionários que declaravam despesas com o mesmo item dedutível. Como se tivessem compartilhado as informações sobre um meio “criativo” de burlar a declaração.
Não apenas os cidadãos, também empresas (em valores muito maiores) entram na lista da sonegação. Segundo informações do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), em 2013 o total da sonegação chegou a R$ 415 bilhões. Em 2014 foram R$ 501 bilhões. Agora em 2015, até outubro passado, era de R$ 420 bilhões.
De acordo com cálculos recentes, o valor é sete vezes maior do que o custo anual médio da corrupção no país. Vistos os cálculos em separado, parece que são dois os problemas, mas não, são apenas um. Porque sonegação é corrupção, sim.