Em Foco 09.12Cunha escapa de votação, enquanto manobra termina em pornografias, gritos e empurrões entre deputados para garantir eleição que acabou “engessada” pelo STF.

Luce Pereira (texto)
Jarbas (arte)

Depois do dia de ontem, nem o mais light dos observadores da cena política nacional conseguiu fugir de imaginar sombra ainda mais severa pairando sobre os rumos do país. E nisto a Câmara dos Deputados, sob o comando de Eduardo Cunha, vem dando enorme contribuição ao se transformar em palco de batalhas que chegam ao mundo como se o parlamento brasileiro não passasse de uma fábrica onde se forjam traições e intrigas, com pausas para espetáculos grotescos onde os atores da casa vão aos tapas, empurram uns aos outros e trocam o solene “vossa excelência” dos discursos em plenário por palavrões e ameaças. Regras são alteradas e o jogo vira em um piscar de olhos, porque, hábil como é em descobrir “brechas” no regimento da instituição (não importa se depois elas serão questionadas pelas mais altas instâncias jurídicas), Cunha consegue alterar não apenas a ordem dos fatores como o produto. Foi assim ao permitir a segunda chapa e o uso do voto secreto, que acabou levando a oposição à vitória e a ter número superior de integrantes na comissão especial do impeachment. Trocando em miúdos: transformado em alvo de todas as manobras, o mandato da presidente Dilma Rousseff se mostra exemplo inequívoco de que a prática política da Câmara, atualmente, considera apenas a máxima “os fins justificam os meios”, é bom que se diga, injustamente atribuída a Maquiavel.
Enquanto o povo subia o Morro da Conceição, parte dele empenhada em ocupar a santa mais querida dos recifenses justamente com pedidos por mais vergonha/decência na política e um futuro menos sacrificado para o país, o Conselho de Ética adiava a votação do parecer preliminar do relator Fausto Pinato (PRB-SP) sobre a continuidade das investigações contra Eduardo Cunha, acusado de manter contas milionárias na Suíça. Com os dois pés novamente fora da armadilha patrocinada pelos governistas, o número um da casa então partiu para outro ataque feroz contra a presidente, autorizando a criação da segunda chapa, que acabou vitoriosa com o resultado de 272 a 199. Agora, cabe ao Palácio do Planalto indicar apenas, para compor a comissão, oito parlamentares do PT. Assim é que Dilma começará o jogo em defesa do próprio mandato já perdendo por um placar 73 gols. Para continuar presidente, vai precisar de 171 do total de 513 deputados
De fato o dia, ontem, foi um dos mais difíceis das últimas semanas para governo e aliados. Além do espetáculo deprimente dos parlamentares, que acabou afundando os planos do Planalto de ter uma composição de forças equilibrada na comissão do impeachment, o vice-presidente Michel Temer conseguiu pela primeira vez, desde que passou a “decorar” o mandato de Dilma, atrair holofotes importantes. Ao escrever uma carta-desabafo onde desencavou mágoas e queixas por não ter tido a confiança e o espaço que gostaria no cargo, deu a impressão de que, como Pilatos, lavava as mãos. O gesto foi, obviamente, interpretado pelos partidos pró-impeachment como uma ajuda e tanto à causa.
As dores de cabeça da terça-feira só foram amenizadas por outra carta, esta, porém, com a assinatura de 16 governadores, entre eles o de Pernambuco, Paulo Câmara, que pediram respeito pela legalidade e se mostraram contra a abertura do processo de impeachment. “A história brasileira ressente-se das diversas rupturas autoritárias e golpes de estado que impediram a consolidação da nossa democracia de forma mais duradoura”, diz o texto, de autoria do governador de Sergipe, Jackson Barreto (PMDB). E não é que já passava das 22h quando o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin mandou suspender a instalação da comissão especial do impeachment? Somente no dia 16 o plenário do STF deve analisar e julgar o caso – afinal, freio de arrumação nunca é demais quando o vale-tudo entre oposição e governo tende a abrir precedente perigoso.
Finda mais uma batalha feroz (e de baixo nível) na Câmara, está claro que o maior perdedor é o país. Porque, se os processos relativos a Dilma Rousseff e a Eduardo Cunha fossem conduzidos com serenidade pelas instituições responsáveis, o Brasil poderia seguir com uma agenda mínima, sem o prejuízo de ter a economia praticamente paralisada pelo resultado destes espetáculos. A quem interessam? Como diria Shelock Holmes, “elementar”.