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Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE revela que hábitos culturais ainda resistem no interior do Brasil

Vandeck Santiago (texto)
Jaqueline Maia (foto)

Passava das 21h quando eu e a fotógrafa Jaqueline Maia chegamos nesta praça, em São José de Espinharas, município de menos de 5 mil habitantes, no Sertão paraibano. Lembro bem do cheiro do momento, aquele cheiro das noites do Sertão, e do frio, aquele frio inconfundível da mesma região. Estávamos procurando uma cidade onde ainda houvesse uma cena que fora comum no passado e hoje encontra-se em extinção: uma TV colocada na praça principal e o povo em volta, assistindo. Era uma prática da época em que poucos tinham condições de comprar o aparelho, e a prefeitura colocava um na rua, para que todos pudessem assistir aos programas. Quem me deu a informação de que no município eu encontraria o que procurava foi o professor Osvaldo Meira Trigueiro, autor da tese de doutorado Quando a televisão vira outra coisa, na Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, RS). Em São José de Espinharas havia arquibancadas e a TV era colocada em uma espécie de pedestal. Todos os dias uma parte da população dirigia-se para a praça. Eu e Jaqueline ficamos lá quase toda a noite, compartilhando do espaço e da convivência das pessoas. Um daqueles momentos emocionantes que a reportagem costuma proporcionar ao repórter.
A matéria fez parte de uma série publicada no jornal de 28 a 31 de maio de 2008, intitulada A desconhecida saga das antenas parabólicas no Sertão. Mostrava o impacto desses equipamentos no cotidiano do interior nordestino. Passados sete anos da visita a São José de Espinharas, não sei se a prática da TV na praça permanece. Pensei em telefonar para lá, mas desisti temendo que me dissessem que isso não existe mais. A morte das coisas não se equipara à morte das pessoas, mas também pode ser dolorosa.
O que me fez relembrar aquela noite no Sertão paraibano foi o resultado da Pesquisa de Informações Básicas Municipais, do IBGE, divulgada esta semana, com dados referentes a 2014. Dela constam todos as estatíticas sobre o que o vocabulário técnico chama “equipamentos culturais” (bibliotecas, museus, teatros etc.). Não há nenhuma informação sobre TV na praça – e nem poderia, admito eu, porque esta é uma prática, e não um “equipamento”.
No entanto, há outras informações interessantes na pesquisa. Diz, por exemplo, que lojas de discos, CDs, fitas e DVDs estão despencando: existem em 40,4% dos municípios. Em 2006 existiam em 59,8%. Uma queda de 32%. Mesmo fenômeno ocorre com as videolocadoras: em 2006 estavam presentes em 82% dos municípios, e hoje só estão em 53,7%. Queda de 34,5%.
Mas a pesquisa não é só um retrato do que está a perigo (cá entre nós, eu até me surpreendi que as videolocadoras ainda existam em tantos lugares, mais da metade das cidades do Brasil). Ela traz também indicadores de que hábitos culturais ainda resistem nos municípios, e em alguns casos até avançam. Bibliotecas, por exemplo: estão presentes em 97% das cidades (era 89% em 1999). Teatro ou salas de espetáculos: em 23,4% (em 1999 era 21,2%). Cinemas: 10,4%. É pouco, muito pouco, mas quando você pega o dado de 2006 (8,7%), vê que temos aí uma história de resistência. O levantamento do IBGE incluiu agora um item que não constava das edições anteriores: bancas de jornais. Olha só: elas (ainda) existem em 25% dos municípios. Uma em cada quatro cidades tem banca de jornais. Não sei vocês, mas eu fiquei surpreso.

Mas o fato é que o tempo avança para a frente, como diria o Conselheiro Acácio. Alguns equipamentos culturais (como bibliotecas) dependem da mobilização da sociedade e da sensibilidade de governantes para continuarem existindo, e até se aprimorarem, qualitativa e quantitativamente. Já algumas práticas vão se diluindo com o tempo, à medida que a tecnologia e o acesso aos bens se modificam. É o caso da TV na praça, uma deliciosa prática cultural e de convivência do povo do interior, condenada a ser amanhã apenas uma fotografia no jornal.