Sócio do Grupo Entre Amigos, o ex garçom Raimundo Dantas começou o negócio com restaurantes em um terreno baldio em Boa Viagem
Marcionila Teixeira (texto)
Karina Morais (foto)
Raimundo fez fortuna cedo. Tinha apenas 23 anos quando, de uma ideia, deu início à construção de um império. A história do ex-garçom capaz de transformar carne de bode em ouro tem requintes de sorte com bons lances de criatividade e empreendedorismo. Raimundo Domingos Dantas, 46 anos, é sócio da rede de restaurantes Entre Amigos. O homem com firmeza para liderar 350 funcionários é transparente. Não esconde as próprias dores. Chora com as lembranças. Pede desculpas por ser humano.
Raimundo senta-se à minha frente. A mesa com toalha branca, impecavelmente limpa e bem arrumada, nos separa. É sinal do conforto do restaurante onde costuma passar parte dos seus dias trabalhando. É ele quem circula nas mesas, fala com os clientes, pergunta se está tudo bem. Sempre foi assim. Desde os tempos da banca de revistas onde nasceu a rede de restaurantes, em Boa Viagem. “O cliente precisa ser bem atendido. O garçom nunca pode dizer não. Se o cliente pede água, tem que ter. Se pede suco, também. E tudo precisa chegar rápido. Nosso segredo é a qualidade da comida e o bom atendimento”, ensina.
O empresário fala com experiência. Quando começou como garçom, aos 18 anos, no antigo Recanto do Picuí, no Recife, garantia sempre a ocupação da mesa da frente. Funcionava como um chamariz. Significava a ocupação rápida das demais mesas. “Observava os colegas e aprendia. A gente tem que começar a fazer a nossa parte, não pode ficar parado. Tem que buscar o cliente”, reflete.
Um dia, depois de cinco anos de trabalho como garçom, Raimundo teve um estalo. Inventou de ter um negócio. Não importava qual. Então, juntou a própria vontade com a da irmã, Joana D’Arc Farias, e comprou a tal banca de revista. Os irmãos juntaram o que tinham e o que não tinham – precisaram do empréstimo de um familiar – para fechar negócio.
Ao lado da banca, que até hoje funciona, tinha um terreno baldio. Com a ajuda do marido de Joana D’Arc, os irmãos espalharam cadeiras e mesas no lugar. Juntos, trouxeram o ineditismo da carne de bode para a capital e acenderam a churrasqueira. Pronto. Tava iniciado o negócio de sucesso. O bode, como era conhecido, cresceu. Ganhou três unidades no Recife, sendo duas em Boa Viagem e uma no Espinheiro. Virou Entre Amigos.
A trajetória não foi fácil, avisa. Dormiu seis meses na banca de revista, passou dez anos sem um dia de férias, trabalha ainda todos os dias revezando-se entre as três unidades. Dureza convertida em dinheiro. Não necessariamente em completa satisfação. Há três anos, a mãe dele morreu em um trágico acidente de carro. Era véspera de aniversário de Raimundo e ela se dirigia ao Recife para comemorarem juntos. Dos dez passageiros da Van, apenas ela não sobreviveu. Dessa perda, não gosta de lembrar.
Na época da morte do pai, seu melhor amigo, Raimundo tinha dez anos. A mãe ficou com nove crianças para criar. Tempos difíceis em Picuí, município do interior da Paraíba onde nasceu e foi criado. Não se sabe porque, naquela época a mãe decidiu mandar as filhas pequenas estudarem “na rua”, como era chamada a cidade, e manter os meninos no sítio.
As mulheres ganharam o mundo. Sem o ensino fundamental completo, Raimundo parece ter tomado a mesma “poção” do pai, um homem analfabeto, mas empreendedor. Partiu aos 18 anos para garantir a sobrevivência como garçom na capital pernambucana. Terminou como empresário de sucesso.
Raimundo tem emoções à flor da pele. “É emotivo como nosso pai”, conta Joana D’Arc. “Ele também se emociona quando lembra do quanto a gente ralou. Viemos de baixo”. O paraibano remenda: “Não sei porque sou assim. Até já tentei tratar isso na terapia, mas não passa nunca”. Donos de impérios também têm suas dores, Raimundo.
No mês passado, o empresário recebeu o Prêmio Orgulho de Pernambuco na categoria gastronomia e empreendimento gastronômico em nome do grupo Entre Amigos. A honraria foi concedida pelo Diario de Pernambuco, em meio às comemorações pelos 190 anos do jornal. Raimundo é a cara do Entre Amigos. Em meio à crise econômica, aponta para a necessidade ainda maior da sua presença nos estabelecimentos para garantir a qualidade. Algo em torno de 30 mil clientes por mês só pode ser um sinal de que o ex-garçom está certo.