Cem anos depois da morte do descobridor, doença que leva o nome dele segue sem cura, mas cientistas creem que a medicina está perto de achar caminho para deter o avanço
Luce Pereira (texto)
Uma professora de linguística vive pelo mundo dando palestra e um dia, no meio de uma delas, tem “um branco”. Demora a recobrar o raciocínio, para espanto da plateia, depois começa a apresentar lacunas de memória cada vez mais frequentes até receber o terrível diagnóstico, aos 50 anos: está com o Mal de Alzheimer. Não fosse um psiquiatra alemão ter decidido se aprofundar nas causas que levavam uma de suas pacientes a ter sinais semelhantes de perda repentina de memória, muito provavelmente ainda hoje o mundo não soubesse ao certo o nome da doença da doutora Alice Howland, papel da protagonista do filme Para sempre Alice, com o qual Julianne Moore ganhou o Oscar 2015 de Melhor Atriz. O nome dele: Aloysius Alzheimer ou Alois Alzheimer, falecido há cem anos, aos 51, em 19 de dezembro de 1915.
Como quase todos os gênios antes da fama, o cientista enfrentou descrença e desconfiança acerca dos seus estudos sobre a doença que estaria provocando mudança brusca e repentina no comportamento da paciente frau August D, internada no Sanatório de Psiquiatria de Frankfurt Am Main, onde ele trabalhava, no dia 25 de novembro de 1901. Como no filme de Richard Glatzer, a mulher, protestante-reformada, era da mesma idade de Alice e chegava a se perder tentando encontrar o caminho de volta para casa. No início da enfermidade, passou a ter crises infundadas de ciúme do marido, que era administrador de ferrovia, e sem mais nem menos vivia escondendo pertences em lugares estranhos.
Diante da crença de que queriam matá-la, frau August gritava muito alto e no hospital parecia completamente indefesa, desorientada, com discurso desconectado da realidade. Noutras vezes delirava, se enrolava com as roupas de cama e aos berros chamava pelo marido e a filha. O médico observou que ela confabulava durante horas “com uma voz horrível” e que, apesar de conseguir identificar um objeto pessoal, imediatamente esquecia, ficando muitas vezes incapacitada de utilizar algum. O declínio das funções cognitivas acelerava-se e a decadência física ia progredindo até a paciente já não sair da cama, lá permanecendo com as pernas flexionadas, tendo incontinência urinária e depois, pneumonia. Um sofrimento que durou cinco anos.
Era a tarde de 3 de dezembro de 1906, um sábado, e lá se foi o médico apresentar, para 87 importantes especialistas reunidos no 37º Encontro de Psiquiatras da Alemanha, sua teoria “Sobre uma grave e peculiar doença dos neurônios do córtex cerebral”. Ele havia feito autópsia no cérebro da paciente e o resultado fôra surpreendente: atrofia generalizada sem lesões macroscópicas visíveis. No entanto, diante das evidências apresentadas acerca da existência de um mal ainda desconhecido, a reação da plateia, do mediador e do apresentador do evento pegou o gênio de surpresa. Silêncio geral, nada de perguntas e Alzheimer, habituado a discussões acaloradas e profícuas, foi dispensado com um mísero agradecimento.
Até hoje cura é uma palavra desafiadora, porém um dos pesquisadores mais importantes da atualidade, o geneticista John Hardy, professor de neurociência da University College de Londres, diz que, “talvez nos próximos cinco anos”, a medicina encontre tratamentos que desacelerem ou estanquem a evolução da doença. Nesta hora, é preciso que o mundo lembre de reverenciar a memória de Alois Alzheimer, que soube dar o devido valor à sua descoberta mesmo quando a comunidade científica, em dado momento, a viu quase como uma excentricidade. Destino de gênio é assim mesmo.