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Tomados pelo imediatismo do dia a dia, a gente pode até não ver, mas tem sempre uma flor brotando onde menos se espera

Vandeck Santiago (texto)
Jaqueline Maia/DP (foto)

Certa vez perguntaram a um grande líder mundial qual a melhor notícia do ano. “Nasceu uma flor em Bikini”, respondeu ele. Bikini é o nome do atol no Oceano Pacífico no qual entre 1946 e 1958 os EUA realizaram 67 explosões nucleares como partes de testes e demonstrações. As explosões, em conjunto, tiveram uma potência sete mil vezes maior que a da bomba atômica lançada em Hiroshima no fim da Segunda Guerra Mundial. Os 167 habitantes do local foram transferidos pelos EUA para outro lugar, antes dos testes. Em 2010 o Atol de Bikini foi considerado pela Unesco Patrimônio da Humanidade.

O Natal é como a flor que brota nas crateras deixadas por bombas poderosíssimas: inspiração para a renovação de esperanças, estímulo para o cultivo da sensação de que, independentemente de como estejamos hoje, dias melhores virão. Um sentimento que move tanto as pessoas quanto as nações.

Não se trata de ingenuidade ou cultivo de falsas ilusões – a realidade a médio e longo prazo tende a ser melhor do que o presente. Houve uma época no Brasil em que para fazer o cantor precisava não só cantar em inglês, mas ter nome inglês. Fábio Júnior não era só Fábio Júnior – era “Mark Davis” e Uncle Jack”. Um dos maiores sucessos desse período foi a canção “Feelings”, de Morris Albert, pseudônimo utilizado pelo carioca Maurício Alberto. E isso aconteceu nem faz tempo assim, foi nos anos 1970.

Há realidades que parecem imutáveis, ou que dão a impressão que vão durar séculos, e de repente se transformam. Como o Muro de Berlim, que caiu em 1989, junto com todo o sistema do bloco socialista europeu, ou as relações diplomáticas entre EUA e Cuba, rompidas em 1961 e reatadas agora em 2015. Dou esses exemplos “macros”, pelo significado histórico que têm, mas o fenômeno da mudança para melhor acontece o tempo todo na vida de muitas pessoas.

Esta criança que aparece na foto, em um meio aparentemente desfavorável para o seu futuro, numa casa isolada no Sertão nordestino, não necessariamente terá o seu destino aprisionado nas condições em que estão hoje seus pais. Conversei com os seus pais – já levam uma vida muito melhor do que a que tiveram a mãe e o pai deles (ou seja, os avós da criança).

Isso não significa que injustiças, desigualdades, corrupções, intolerância, perseguições, deixam de existir à medida que o tempo passa. Ter esperança não quer dizer fechar os olhos para as mazelas do mundo. Significa, porém, que dia após dia a vida vai criando caminhos para ser melhor do que antes (nem sempre percorridos, nem sempre aberto a todos, e às vezes palmilhado de obstáculos, mas de qualquer maneira caminhos que levam a situações melhores). Na correria diária, nas disputas que não cessam, e no nosso hábito de só ver os fragmentos do imediatismo, nem sempre percebemos que as condições para a mudança estão sendo criadas e que o amanhã será melhor do que o hoje. A gente pode até não ver, mas tem sempre uma flor brotando onde menos se espera.