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Mulher negra, a procuradora de Justiça do MPPE Bernadete Figueiroa é referência no combate ao racismo em Pernambuco

Marcionila Teixeira (texto)
Julio Jacobina/DP (foto)

Maria Bernadete tinha 10 anos quando começou a notar algo errado na escola onde estudava, no município de Água Preta, na Mata Sul pernambucana. Apesar de tirar as maiores notas da turma, sempre era excluída pelas professoras na hora de carregar a bandeira no Sete de Setembro ou de representar o papel de protagonista nas peças teatrais. A menina, ansiosa por assumir um papel de destaque na escola, percebeu aos poucos os motivos das negativas. As crianças escolhidas eram sempre brancas, com cabelos lisos. Não era seu caso. Mulher, negra, cabelo crespo, Bernadete cresceu. Neste mês, recebeu a Medalha do Mérito Heroínas de Tejucupapo, entregue pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE). Aos 65 anos, está mais feliz e realizada que aos dez anos, quando era a melhor da turma.

Há 13 anos, a procuradora de Justiça do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) Maria Bernadete Martins de Azevedo Figueiroa ajuda a formar pessoas no enfrentamento do racismo. Bernadete é coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Discriminação Racial do MPPE, projeto proposto por ela mesma ao então procurador-geral, Romero Andrade. O serviço consiste em capacitar e sensibilizar promotores e servidores. Muita coisa mudou desde a instalação do GT, pensa, mas não o suficiente. “O racismo tem 500 anos e a gente tem pouco tempo”, compara.

No país onde pessoas famosas como o jogador de futebol Ronaldinho se classificam como brancos, algo está errado, considera a procuradora. “É como se ele estivesse em um lugar onde o negro normalmente não está. Então ele se diz branco para sofrer menos. É duro ser rejeitado o tempo inteiro. O sofrimento emocional é grande”, reflete.

Bernadete cita exemplos concretos, nem sempre explícitos, de racismo a serem enfrentados. “A imprensa destaca o assassinato de um jovem branco por um policial, mas não dá espaço para a maioria de negros assassinados no estado. É como se fosse natural o negro ser bandido, ser morto. Negro na universidade não pode. A questão é que quem chega nas cotas é um sobrevivente. Conseguiu terminar o ensino médio, não foi morto pela polícia ou na violência da periferia. Além disso, entrar pelas cotas não significa que ele sairá pelas cotas. Sairá pelo conhecimento, o mesmo que empodera”, reflete.

Se a situação de racismo envolve gênero, tanto pior. O atendimento à mulher negra nas unidades de saúde, por exemplo, é muito mais rápido e superficial que o dedicado à mulher branca, diz Bernadete. “Pior que deveria ser ao contrário, pois a negra tem mais tendência à hipertensão na gravidez”, destaca.

Bernadete gosta de números para comprovar sua fala. Pede um minuto na entrevista e solicita a uma de suas assessoras dados do Unicef. Com eles em mãos, mostra o tamanho do fosso entre brancos e negros: no Brasil, 54,5% da crianças são negras, mas entre as crianças brancas a pobreza atinge 32,9% e entre as negras atinge 56%. Uma criança negra entre 7 e 14 anos tem 30% mais chances de estar fora da escola do que uma criança branca na mesma faixa etária.

“Se eu não fosse uma pessoa com autoestima, não tivesse estrutura familiar, dificilmente chegaria aonde cheguei. Esse equilíbrio faz a diferença. Mas nem sempre é isso que acontece. Por exemplo, 54,5% das crianças abandonadas são negras. Todo mundo quer ser pai de um loirinho”, reflete a procuradora, mais velha de onze irmãos.

“De cinco mil moradores de rua, por exemplo, quantos conseguem sair dessa situação? Só pessoas muito resilientes. Além disso, ninguém é obrigado a ser um monstro para ser algo na vida. Pesquisas apontam que quando crianças brancas e negras nascem pobres no mesmo lugar, a chance da branca sair da condição de pobreza é 70% mais alta”, calcula. Maria Bernadete, uma das poucas pessoas assumidamente negras nos quadros do MPPE, tem razão quando diz: “Ser negro interfere na vida”.