Morador de uma terra que gosta de superlativos, o recifense é mesmo diferente dos outros. Enquanto em todo o mundo os espectadores de um filme desmaiavam ou tinham acessos de vômito, na capital pernambucana a mesma história era levada na greia. Isso aconteceu há 41 anos, na estreia do filme “O Exorcista”, no cinema São Luiz. Na edição do dia 19 de dezembro de 1974, o Diario de Pernambuco descrevia como ocorreu a primeira sessão da película que provocou casos de “epidemia psíquica” onde foi exibido. As cerca de duas mil pessoas que compareceram ao São Luiz se dividiram em classificar a obra baseada no livro do escritor William Peter Blatty como “excelente” ou “simples demais”.
Dirigido por William Friedkin, “O Exorcista” tinha como inspiração um exorcismo de um adolescente de 14 anos em 1949. O filme de terror estreou em 26 de dezembro de 1973 nos Estados Unidos e foi um fenômeno de bilheteria. Um achado para a Warner Bros, que pagou US$ 640 mil pelos direitos da obra. O recifense teria que esperar exatamente um ano para ver a obra no São Luiz. O ano de 1974 foi marcado pelo “O Exorcista” e a polêmica da existência ou não do demônio. Para se ter uma ideia, no dia 6 de setembro uma página inteira no caderno de cultura apresentava o exorcismo como “a curtição do século 20”.
“A ‘possessão demoníaca’ nada mais é que uma forma primitiva de se denominar a histeria e/ou esquizofrenia, que fazem com que o enfermo tenha alucinações, sonambulismo, convulsões e outros problemas psíquicos e psicológicos”. Essa opinião, do psiquiatra Ladislau Porto, do Centro de Recuperação Motora do Nordeste, foi publicada no Diario de Pernambuco do dia 20 de dezembro de 1974. Ele referia-se um fenômeno que também havia atingido o Recife há 41 anos: o medo do filme “O Exorcista”.
Ladislau Porto esclarecia que o filme despertava a atenção de muitas pessoas, atemorizando realmente algumas delas. “Mas de maneira alguma poderá levar ao fenômeno denominada ‘epidemia psíquica’ ou às psicoses coletivas, pois só os povos primitivos são facilmente sugestionados”.
No Recife, até o livro foi bem de vendas. Em 1º de abril de 1974, o colunista João Alberto informava no Diario que o filme seria submetido à censura ainda naquele mês, podendo ser exibido a partir de maio.
No dia 2 de abril, o jornal trouxe reportagem a respeito de um exorcismo realizado em João Pessoa, na Paraíba. No dia seguinte, outra extensa reportagem sobre a juventude recifense que repudiava o culto a satã. No dia 8, o padre Franciscus Haansen dava entrevista sobre a “estranha arte de expulsar o diabo”. Ele era presidente do Tribunal Eclesiástico Regional de Olinda e Recife.
Em 2 de agosto de 1974, o Diario trouxe na capa que a Censura Federal liberou “O Exorcista” sem cortar cenas. “Embora tenha passagens e enredo muitos fortes, não fere a nossa legislação”, disseram os censores. No dia 19 de agosto, a confirmação de que os recifenses veriam o filme mais badalado do ano ainda em 1974. O cinema Veneza foi escolhido para exibir a película.
No dia 22 de setembro, na página de cinema do jornal, um anúncio chamava a atenção. Era sobre “O Exorcista”, mas não a versão famosa e sim uma “adaptação” brasileira: a pornochanchada “O exorcista de mulheres”, com Toni Vieira e Claudet Jaubert, censura 18 anos. No dia 27 de setembro, no Teatro AIP, estreava uma peça infantojuvenil “Aventuras de um diabo malandro”, escrita por Maria Helena Kuhner. A história se dava em um estranho planeta, quando um diabo aparece inesperadamente.
No dia 17 de outubro, o Diario traz na capa a notícia do suicídio de uma guarda noturno alemão em Kaeserslauten, na Alemanha. Ele tinha 19 anos e teria morrido depois de ter dado um tiro no ouvido. Dois dias depois, o jornal trouxe reportagem da Agência France-Press com uma “breve história do exorcismo”.
Em 12 de novembro, o registro da estreia de “O Exorcista” no Rio de Janeiro, com direito a desmaios e gritos, com foto na capa. No dia 16 de novembro, até a Volkswagen embarcou na onda citando “O Exorcista” em um anúncio.
Em 3 de dezembro, a revelação do crítico de cinema do Diario, Fernando Spencer, de que o filme seria exibido em sessão especial no dia 16 no cinema São Luiz. Os ingressos custariam 8 cruzeiros.
No dia 6 de dezembro, a revelação da estreia do filme no São Luiz. No dia 7, o crítico Wilde Portela escreve sobre Linda Blair, a garota possuída do filme. No dia 8, sintomas de possessão e também medidas de segurança para a exibição no Recife. No dia 11 de dezembro, a publicação do pôster original. No dia 15, a crítica sobre o filme, considerado “obsceno e espiritual”.
No dia 18 ocorre finalmente a estreia de “O Exorcista”. No dia 20, uma nota em João Alberto informava que o primeiro dia do filme foi um sucesso retumbante: 5.852 pessoas compareceram às cinco sessões do dia da estreia (das 11h30 às 21h30), recorde de público em todo o Norte e Nordeste. Para organizar as filas no cinema São Luiz, até o Batalhão de Trânsito deu um apoio. Sessões extras à meia-noite, para os mais corajosos, foram programadas.
O cálculo era de que, em apenas sete dias, “O Exorcista” iria render o mesmo que “Aladim e a lâmpada maravilhosa”, filme dos Trapalhões que era o recordista de público e renda em toda a histórias do cinema do Recife.