Em Foco 3112

Fim de ano é o momento em que paramos para retemperar as energias e seguir em frente, sempre em frente, porque é lá que o futuro nos espera.

Vandeck Santiago (texto)
Jaqueline Maia (foto)

Chegamos enfim ao último dia de 2015 e julgo que a ocasião é propícia para lembrar o abade Sieyès. Ele foi o único nome importante da Revolução Francesa (1789-1799) que morreu de velhice, aos 88 anos. Todos os demais morreram de forma violenta ou na prisão. Sieyès viveu as etapas da decapitação do rei Luis 16, em 1792; da chamada fase do terror, período mais radical da Revolução; da chegada de Napoleão Bonaparte ao poder (1799), e da instauração da Era Napoleônica (1799-1815). Certa vez lhe perguntaram como tinha conseguido escapar a tantas reviravoltas da vida política francesa daquele período, e ele respondeu: “Apenas sobrevivi”.
Recorro à história do abade não porque estejamos prestes a derrubar a Bastilha ou porque haja um Napoleão a caminho, mas sim porque ela nos remonta à sobrevivência – e 2015 foi um ano intimimamente ligado à tal questão. Sobrevivência dos nossos empregos. Das nossas conquistas. Do nosso progresso. Da nossa capacidade de conviver com as diferenças. Da nossa luta por um país com cada vez menos desigualdade e corrupção. Da nossa confiança, tão brasileira, de que o futuro há de nos sorrir.
Assim como os anos, as crises também chegam ao fim. Nenhuma dura para sempre. Mas enquanto não chega lá, faz vítimas. Neste momento em que escrevo, sei que há milhares de pessoas que perderam os seus empregos, e outras que não conseguiram trabalho, e todas terão um fim de ano desconfortável. Conheço pessoalmente alguns desses trabalhadores, e sei que a perda do emprego não os tirou da frente de batalha, e que cedo ou tarde eles voltarão a engrossar a outra lista, a dos empregados. Nós, que aqui estamos, por eles esperamos.
Não há um idealismo ingênuo neste raciocínio, mas o conhecimento de que situações semelhantes já ocorreram antes, e tiveram o desfecho acima descrito. Sem esperança, dizia Charles Dickens, escritor inglês contemporâneo do abade Sieyès, e cuja obra destaca também a sobrevivência, sem esperança estamos todos condenados ao inferno. Mesmo que não cheguemos a tanto, o fato é que a esperança torna-se também um instrumento capaz de nos mover (pessoal e coletivamente) em direção ao objetivo desejado.
Quando a base do mundo em que vivemos se desmancha no ar, o primeiro desafio é sobreviver. Procuramos ajustar o nosso mundo à nova realidade, e vamos vencendo um dia após o outro, agindo para que tudo se transforme. Isso vale tanto para um período revolucionário, como aquele vivido pelo abade, quanto para um período que, embora conturbado, tem muito menos razões para apreensões, como o Brasil de hoje. O fim do ano atua aí como uma pausa para retemperarmos as nossas forças, observar o que ficou para trás (brevemente, para não virar estátua de sal aprisionada no passado) e seguir em frente. Sempre em frente, porque o que passou, passou; é lá na frente que o futuro está a nos sorrir.