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Pesquisa mostra que a principal meta do consumidor para 2016 é quitar dívidas. Resultado é mais do que um simples reflexo da crise.

Vandeck Santiago (texto)
Cecília de Sá Pereira (foto)

Um dado interessante aparece em pesquisa divulgada ontem: para o consumidor brasileiro pagar dívidas em 2016 tornou-se meta mais popular que emagrecer. 37% dizem que pagar débitos atrasados é a principal resolução para o ano, enquanto 27,5% afirmam que pretendem perder peso. Há duas formas de ver este resultado da pesquisa, realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL). A primeira, mais óbvia, é que se trata de mais um reflexo da crise. A segunda, menos óbvia, é que os números são reveladores da vida cotidiana e do comportamento do brasileiro.
O levantamento faz lembrar uma informação que fez bastante furor quando divulgada, no início dos anos 2000: em todo o país, a agência do Banerj (Banco do Estado do Rio de Janeiro, incorporado ao Itaú em 2004) que tinha o menor índice de inadimplência era a da favela da Rocinha. “Pode emprestar que o pobre paga”, era o lema na época. O Brasil mudou muito desde então, mas o pobre continua querendo pagar – só não o faz quando não pode mesmo.
Na pesquisa do SPC/CNDL foram entrevistados 600 homens e mulheres, em todo o país. Não sei qual o perfil de renda nem a localização geográfica regional deles, e 600 é uma amostra pequena para o tamanho do universo dos consumidores brasileiros, mas de todo modo é uma referência que permite avaliações.
É que pagar dívidas tem efeitos concretos e simbólicos diferentes, dependendo da renda e da classe social de quem paga, conforme mostra a tese Identidade, inserção social e acesso a serviços financeiros – Um estudo na Favela da Rocinha, defendida por Cecília Mattoso, em 2005, no Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ.
O trabalho demonstra que para muitos consumidores há pelo menos três grandes impactos que surgem em decorrência do não-pagamento das dívidas: 1) a perda do crédito; 2) a perda da identidade e 3) a dependência dos outros. O consumidor atingido por este problema perde o direito a “comprar a crédito” e só pode fazê-lo valendo-se do “nome de outros”. Na prática, o consumidor nesta situação fica sem “nome”, denominação aqui entendida como algo que distingue o seu portador e lhe permite o ingresso em um mundo de direitos. Tudo isso gera situações de estresse e riscos de rebaixamento social e de perda de ativos importantes para o devedor e sua família (casa, carro).
“O crédito”, diz Cecília Mattoso, em sua tese, “pode ser visto como uma forma de imprimir identidade e status numa comunidade em que há uma busca por hierarquizar e onde a distinção é buscada constantemente. O “nome” tem um significado particular para o consumidor pobre. Ele é um demarcador social que dá ou não acesso ao crédito e evidencia quem está bem financeiramente e quem está mal e inadimplente”.
A partir dessas questões, é possível ver o resultado da pesquisa do SPC/CNDL sob outra perspectiva. Embora os dois itens apareçam juntos, e remetam a uma inevitável comparação, o fato é que para o consumidor brasileiro uma coisa é “perder peso” e outra bem diferente é “pagar o que deve”.