Em Foco 11.01

Advogada aposentada, ela nasceu para desbravar caminhos, quebrar conceitos. Aos 89 anos, acaba de tomar posse como conselheira na OAB-PE.

Marcionila Teixeira (texto)
Brenda Alcântara (foto)

Nair Andrade mandou pintar a casa, um belo imóvel localizado no bairro da Estância, no Recife. É lá onde mora há 40 anos. A pintura é um singelo sinal de mudança. Há pelo menos 23 anos, desde quando a mãe se foi, andava sem o mesmo gosto na vida. Este ano, Nair espera por mais novidades. No início do mês, tomou posse como conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Pernambuco (OAB-PE). A posse festiva está marcada para 15 de fevereiro. Nair Andrade tem apenas 89 anos. E muitos planos.
A mulher dos belos olhos expressivos nasceu para quebrar conceitos, desbravar caminhos. Foi assim ao se formar em direito, em 1961, mesmo sendo filha de um casal com pouco estudo, e quando tornou-se a primeira mulher a ocupar um cargo na diretoria da OAB, em 1971, como segunda secretária. Ou mesmo quando optou por não casar e não ter filhos biológicos em uma época na qual essa era função primordial da mulher.
De lá para cá, muitas outras mulheres ocuparam vagas na OAB, mas talvez nunca teriam feito o mesmo se naquela época Nair não tivesse lançado o desafio: “Vai ter mulher nessa Ordem!”, disse para os então candidatos a presidentes. E Nair pensa não ser feminista. O movimento, inédito na época, chamou a atenção da mídia e a advogada alcançou seu objetivo.
“Acho a vida uma maravilha. Eu vivo como a vida se apresenta para mim. Naquela época eu podia andar ligeiro. Hoje não posso mais. Quando vejo uma mulher de salto penso: também já usei assim. E vou vivendo bem, muito bem”, atesta. Há quatro anos, Nair Andrade voltou à OAB com um novo cargo, desta vez de conselheira. Na ocasião, foi vice-presidente da Comissão do Idoso, membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa e da Mediação e Arbitragem. Nas reuniões do Pleno, nunca deixava a sala antes do fim. Tudo terminou em 2015. Para recomeçar agora, em 2016.
“Meu Deus, que expressivo voltar, fazer o caminho de volta. E não é pelos meus belos olhos. A pessoa tem que respeitar os outros e a si próprio. A pessoa tem que dizer a verdade na presença da outra. Ninguém nunca me viu criticar a ou b, com fofoca. E pouco importa que goste ou não da verdade. Eu digo o que penso. Busco viver em paz e não com fingimento”, ensina, remetendo a lição ao papa Francisco, de quem é admiradora.
Nair Andrade aposentou-se aos 60 anos, em 1986, depois de 40 anos e dois meses de serviço. Na época, tinha escritório no Centro do Recife e trabalhava como advogada de ofício na Assistência Judiciária, hoje Defensoria Pública. Atuou na 1ª e 5ª varas criminais de delitos contra o patrimônio. “Gosto muito das coisas do direito. E como ninguém pode ficar sem defesa, procurava a jurisprudência favorável para cada caso. E esse trabalho me deu a oportunidade de aprender, tolerar o que eu tinha repulsa”, lembra.
A advogada bem que desejava fazer coisas que fazia quando mais jovem, mas reconhece que “o espírito quer, mas a carcaça não aguenta”. Nem sempre, Nair, nem sempre. Na campanha para a presidência da OAB, chegou a fazer panfletagem. “Acredito que o que tiver de ser será. Onde imaginava à essa altura ser entrevistada em casa por uma jornalista do Diario? Eu fui atrás? Não”, diz. Em um país onde o idoso quase nunca é protagonista, a história de Nair Andrade jamais poderia deixar de ser contada. Aos mais jovens. E aos mais velhos.