Em Foco 15.01

Filósofo francês questiona mito da felicidade e leva leitor a exercícios que o colocam diante do que realmente vale a pena.

Luce Pereira (texto)
Silvino (arte)

Ninguém reflete sobre se a felicidade existe mesmo, mas a maioria anda numa busca diária e tresloucada por ela. A todo momento, em todos os lugares. Nas redes sociais, nunca se viu tantas pessoas “felizes” e tantas afetadas pelos posts nos quais sobram sorrisos, paraísos e “abençoados”, espécie de esforço em bloco para a construção da realidade perfeita. Mas, ao menos para pensadores modernos, não é assim que a banda toca ou deveria tocar. “Na obsessão atual pela felicidade há um sintoma do desejo de eliminar o negativo. Mas não existe vida sem aspectos negativos e positivos. A ideia de uma felicidade sustentada, perfeita, sem estresse, sem preocupações, sem angústias, não me parece muito humana, nem interessante”, disse em entrevista o filósofo francês Roger-Pol Droit, que encontrou a fórmula certa para atrair público carente de uma filosofia capaz de ser aplicada aos eventos da rotina. Seu livro 101 experiências de filosofia cotidiana, publicado por aqui, em 2002, foi adquirido por cem mil leitores franceses e o último, Se só me restasse uma hora de vida, percorre caminho de aprovação semelhante. Quando classificam o gênero de autoajuda, o autor não dá a menor importância, até por deixar claro que não morre de amores pelos intelectuais. Acha que o verbo refletir é ótimo, mas o sentir é imprescindível.
Jornalista do Le Monde, conselheiro de atividades filosóficas na Unesco entre 1993 e 1999, ele também descobriu que a melhor forma de dizer coisas sérias é através do humor, embora muita gente tenda a confundir sério com cansativo. Nesta linha e buscando levar o leitor à prática de exercícios mentais extremos, tem proposto em seus livros experiências que costumam causar muita polêmica, como beber e urinar ao mesmo tempo, correr em um cemitério, telefonar para si mesmo. Acredita que o insólito leva ao assombro e este, em sua visão, seria o ponto de partida da filosofia. “Se nos assombramos, começamos a ver as coisas de outro modo. Falta-nos o assombro”, vive repetindo nos eventos públicos para os quais é convidado como palestrante, porém, deixando muito claro que a prática desses exercícios não é capaz de formar nenhum filósofo, mas iniciar caminho em direção à filosofia, colocando-a ao alcance de qualquer um através de questionamentos éticos e morais. Amantes do cinema e da literatura têm pelo menos dois exemplos para enxergar o uso da mesma estratégia – o filme Amor, com o qual o cineasta alemão Michael Haneke venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e Carta a D., último livro do austríaco André Gorz, falecido em 2007.
Descartando a equivocada ideia de que a felicidade precisa ser perseguida a qualquer custo e que ela pode criar uma realidade irretocável, as pessoas deveriam aproveitar para viver o agora, certas de que o fim é inegociável. Precisariam encará-lo de frente, como único fio que une a todos e do qual não se pode escapar. Eis a essência do mais recente livro de Pol Droit, que coloca o leitor – ante a possibilidade de estar a uma hora do fim – diante de um filtro pelo qual só passará realmente o que importa. Sem mais, trata-se de uma homenagem à vida, que deve ser repensada a partir de um olhar corajoso para dentro de si mesmo. Ou seja, a felicidade não existe, porque a caminhada do homem sobre a Terra será sempre por caminhos imperfeitos, e é ingênuo desviar o foco das grandes certezas, únicas com poder de transformar o indivíduo e de levá-lo a estreitar laços com o presente. Sem mais demora, acordemos.