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Há 179 anos, a palavra carnaval entrava pela primeira vez na pauta do Diario de Pernambuco. Doze anos depois de sua fundação, o jornal abria espaço para um artigo sem identificação do autor que abordava a festa do entrudo, tradição herdada dos portugueses. O Recife da primeira metade do século 19 fazia já uma folia diferente da dos patrícios. No lugar da violência das laranjadas ou dos ovos podres, por aqui se atiravam bolas de cera contendo águas odoríferas. Este luxo, segundo o texto, às vezes perigoso, era praticado até pelos escravos (“a classe dos cativos”).

Mas o autor faz um alerta: um “abuso grosseiro e porco” estava aparecendo na festa recifense. Algumas bolas de cera agora continham tintas e pós, sendo chamadas de “vapores”. A explosão delas tinha até a sua graça, mas podia ser fatal.

“Que se festeje o Carnaval seria coisa indiferente, e mesmo talvez preciso para entreter o povo, mas que tais festejos sejam dignos de um povo civilizado, decentes, moderados e cômodos. Que apreço podem ter os excessos, as desordens, as indecências que acabamos de mencionar?”, questiona o autor, lembrando que logo depois da folia começava a Quaresma.

Em 1823, dois anos antes da fundação do Diario de Pernambuco, dois pintores estrangeiros registraram imagens do entrudo no Rio de Janeiro. O primeiro foi o francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848). Sua aquarela sobre papel Carnaval (Dia d’entrudo), faz parte do acervo dos Museus Castro Maya, no Rio de Janeiro. Em seu livro Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, ele descreveu como se produziam os limões-de-cheiro:

O limão-de-cheiro, único objeto dos divertimentos do carnaval, é um simulacro de laranja, frágil invólucro de cera de um quarto de linha de espessura e cuja transparência permite ver-se o volume de água que contém. A cor varia do branco ao vermelho e do amarelo ao verde; o tamanho é o de uma laranja comum; vende-se por um vintém e as menores a dez réis. A fabricação consiste simplesmente em pegar uma laranja verde de tamanho médio, cujo caule é substituído por um pedacinho de madeira de quatro a cinco polegadas que serve de cabo, e mergulhá-la na cera derretida. Operada essa imersão, retira-se o fruto ligeiramente coberto de cera e mergulha-se n’água fria, a fim de que se revista de uma película de um quarto de linha de espessura, bastante resistente, entretanto. Parte-se em seguida esse molde, ainda elástico, a fim de retirar a laranja e, aproximando-se as partes cortadas, solda-se o molde de novo com cera quente, tendo-se o cuidado de deixar a abertura formada pelo pedaço de madeira para a introdução da água perfumada com que deve ser enchido o limão-de-cheiro. O perfume de canela, que se exala de todas as casas do Rio de Janeiro durante os dois dias anteriores ao carnaval, revela a operação, fonte dos prazeres esperados.

Já Augustus Earle (1793 – 1838), artista inglês, pintou na mesma época Brincadeiras no carnaval do Rio de Janeiro, hoje parte da coleção da Biblioteca Nacional da Austrália. Ao contrário de Debret, que mostra os escravos na folia, Earle apresenta como todos se divertiam até dentro de casa, interagindo também com os da rua.

Neste aspecto, entrudo ou carnaval, continuamos fazendo a mesma coisa até os dias de hoje. Uma festa democrática, pelo menos até as cinzas da quarta-feira.