21.01

Estudo da Fundação MacArthur levado ao Fórum Econômico Mundial, na Suíça, afirma que em 2050 mares terão mais plásticos do que peixes.

Luce Pereira (texto)
Samuca (arte)

Uma criança que desembarque hoje no mundo será, daqui a 34 anos, um adulto e viverá numa terra de águas sufocados por incomensurável quantidade de plásticos. Diante de tal cenário e tendo alguma inclinação religiosa, dirá que felizes foram os apóstolos pescadores para os quais Jesus Cristo deu inesquecível lição de pesca, fazendo surgir nas redes, de uma única vez, 153 peixes (João, Cap. 21). Se repetido no presente, o gesto serviria apenas para atestar a estupidez com que o homem vem tratando os recursos naturais do planeta, a ponto de colocá-los sob ameaça de colapso.
Estudo feito pela Fundação Ellen MacArthur e levado a público no Fórum Econômico Mundial (Davos, Suíça) estima que por volta de 2050 os oceanos terão mais plástico do que peixe. De acordo com o trabalho, em 2025 já seria uma tonelada destes detritos para cada três de pescado, considerando que agora os oceanos já apresentam mais de 150 milhões de toneladas a interferir no ecossistema – de tão abundante, o microplástico acabou se tornando parte dele. Ou seja, plânctons e pequenos crustáceos se alimentam da substância, se intoxicam e então fazem o mesmo ao serem comidos por pequenos peixes. O processo vai se repetindo até chegar a grandes espécies como o atum e, na parte final da cadeia, ao próprio ser humano.
Os fóruns mundiais sobre clima e economia aparecem geralmente como eventos sob medida para provocar grandes impactos e espantos, o que, no entanto, não significa garantia de conscientização, pois os governos seguem presos ao “material onipresente da economia moderna”, como define a Fundação ao se referir ao poder do plástico. Ela afirma que 95% não seriam aproveitados, o que redundaria em prejuízo entre US$ 80 bilhões e US$ 120 bilhões à economia mundial. Os números, se não servem para uma mudança de postura, conseguem ao menos revelar a medida do descaso dos países com a saúde do planeta e dos seus habitantes.
O estudo apontou, por exemplo, que todos os anos o mar é invadido por oito milhões de toneladas do material, enquanto apenas 14% disto são aproveitados. Pouco demais em relação a papel (taxa de reciclagem em torno de 58%), ferro e aço (70% a 90%). Mas não há a mais leve suposição de que, num futuro próximo, fóruns semelhantes tentem desencadear uma reação ao uso do plástico. A nota emitida pela parceria público-privada do evento fala da importância do estudo como ponto de partida para que haja uma “revolução no ecossistema industrial” do produto. Ou seja, aprimorando/intensificando a forma de aproveitamento, para transformar o vilão em mocinho.
“Vilão” com V maiúsculo, é bom que se diga. Enquanto os habitantes são, eles próprios, uma ilha cercada de embalagens plásticas por todos os lados, no Oceano Pacífico já existem duas manchas gigantes desse lixo que, juntas, equivalem ao tamanho dos Estados Unidos. Um redemoinho na área ajuda a arrastar os detritos de todos os oceanos e transforma as ilhas de plástico em dois fantasmas imensos ameAçando o paraíso. De malas de viagem a cones de trânsito e brinquedos, elas são como uma vitrine da ignorância humana, manifestada a partir de lugares como navios e plataformas de petróleo. O estômago dos animais que tentam sobreviver na região não tem matéria orgânica, mas plástico. E pensar que tudo poderia ser evitado com gestos tão simples, porque, afinal, a vida depende apenas da soma deles.