26.01

Há 362 anos, os holandeses confirmavam sua rendição e partiam do Recife de volta à Europa, enquanto o estado voltava à influência portuguesa.

Ed Wanderley (texto)

Há um ar de romance quando se fala no período holandês. Como se em vez da alcunha de Veneza Brasileira, o pernambucano desejasse ser mesmo a Amsterdã Canarinha. Neste 26 de janeiro, são completados 362 anos da expulsão dos holandeses do Recife, em 1654, cinco anos depois da famosa Batalha dos Guararapes – decisiva para que os mesmos batessem em retirada. Ainda assim, há, aos montes, viúvas de Nassau espalhadas aos quatro cantos de um estado que nunca atingiu o nível de desenvolvimento que almejava suas hiperbólicas expectativas. Volta e meia, recai sobre os portugueses a “culpa” de não gozarmos de indicadores sociais tais quais os padrões europeus. Mas será que estaríamos assim, tão diferentes, caso os holandeses não tivessem deixado o estado?
Conversar com alguns historiadores locais desperta alguns pontos interessantes. Primeiro, porque confunde-se o que seria uma colonização holandesa com o que, de fato, foi o governo de João Maurício de Nassau. Com ele, foram tomados para a cidade tantos títulos de primeiras vezes – da primeira ponte de grande porte ao primeiro horto zoobotânico do país (em alguns casos, das Américas, para nutrir nossa folclórica megalomania) – que talvez sua influência seja entendida como um princípio de desenvolvimento bruscamente interrompido por “revoltosos locais”. A verdade inconveniente é que pouco se fala das agressões, estupros e abusos diversos de holandeses para com um povo que poderiam considerar inferior, social e culturalmente. E a verdade incontestável é que o modelo de colonização holandês não era o de Nassau – que, aliás, era alemão.
Para o historiador e teólogo da UFPE, Severino Vicente, estaríamos em situação bem ruim caso os holandeses permanecessem em solo pernambucano. “Fizemos bem em colocá-los para fora. A questão é que não sei se foi bom aceitar Portugal de volta. O estado, ou mesmo a nação, poderia ser outra caso não tivessem aceito Dom João IV”, afirma. O doutor em história das Américas pela Universidade de Salamanca George Félix Cabral segue linha de raciocínio semelhante. “Onde os holandeses passaram, há subdesenvolvimento – a exemplo de países do sudeste asiático ou a África do Sul -, inclusive não apenas com desigualdade social de ordem econômica, mas também racial, que provoca até conflitos sangrentos”, lembra.
Ambos trazem à tona o exemplo mais próximo e gritante: o Suriname. Vizinho ao Brasil, no extremo norte, a nação tem pouco mais de 560 mil habitantes (três vezes menos que a cidade do Recife) e índice de desenvolvimento humano 5% inferior ao do Brasil e abaixo de Líbia, Colômbia e Jamaica. “Na segunda metade do século 20, a Holanda pagou para que o Suriname se declarasse independente e, na época, as Forças Armadas do país se resumiam a um helicóptero”, lembra Vicente.
Historicamente, os empecilhos para o desenvolvimento do Brasil poderiam ter menos a ver com quem o explorou, mas em como sua configuração social foi concebida. “O senso comum busca uma fuga na condenação do colonizador português, enquanto o papel das elites não é questionado. Quando o problema sempre foi essa constituição de pequenas parcelas privilegiadas da sociedade”, defende Cabral. Ele acrescenta ainda que há um movimento que chama a atenção, inclusive, dos próprios holandeses. “O colonizador holandês só é visto com simpatia aqui. Em nenhum outro lugar é encarado com bons olhos”, garante.
No final das contas, viramos escravos do “se”. Mesmo quando esse “se” é tornado frouxo. Iludidos por um sotaque tido como mais bonito por conta dos ares e erres dos neerlandeses. Enquanto se discute o quão melhor estaríamos se explorados pelas pessoas certas, continuaremos a ver bois voarem, acrescentando, claro, que tratava-se do maior gado alado em linha reta da América Latina…