21.02

Quem age tentando destruir os adversários deflagra tormentas que no futuro podem voltar-se contra ele próprio, tornando-o vítima em vez de algoz.

Vandeck Santiago (texto)
Jarbas (arte)

Todas as vezes que vejo um político querendo destruir outro, e temos visto muito isso nos últimos anos, penso: “Não vê o erro que está cometendo”. Porque em política não se destrói o adversário. Você o derrota, conquista quantos milhões de votos a mais for possível, procura sempre suplantá-lo. Mas não o destrói, não o desmoraliza a ponto de inviabilizar a permanência dele no jogo. Isso se faz numa ditadura ou, estando na democracia, com inimigos. Em um ou outro caso, a motivação será sempre o ódio pessoal ou político.
Quem parte no desespero de destruir o outro não vê que ao fazer isso desperta forças e reações que podem acabar voltando-se contra ele próprio, que momentaneamente está no ataque. Pode deflagrar tormentas que, lá na frente, não o reconhecerão como aquele que as deflagrou – e fazer dele a próxima vítima. Temos exemplos notórios, em nossa história recente, à esquerda e à direita. “Na política, em geral, e especialmente no poder, se você não pode fazer um amigo, não faça um inimigo”, dizia Ulysses Guimarães (1916-1992), do alto da experiência de quem havia passado por um regime democrático, uma ditadura e novamente um regime democrático. “O inimigo guarda o ódio na geladeira, para conservar. O inimigo, numa eleição, amanhece na boca de urna dizendo que a mãe do candidato não é honesta. É importante não ter inimigos pessoais”.
Quem faz política tratando adversários como inimigos (ou seja, buscando desmoralizar o outro, tentando destruí-lo para que ele não possa continuar disputando) só tem vitórias circunstanciais, e não consegue construir a carreira que teria condições de construir. Nunca se faz líder. Sim, há exceções, quando se trata de líderes extremamente carismáticos – mas são raras.
Assim como na literatura, na política há sempre um protagonista e um antagonista. Dependendo das qualidades de cada um, dos sentimentos que representam e das circunstâncias, eles vão revezar-se ora como vencedores, ora como vencidos. Às vezes até como aliados. Ulysses contava uma história interessante sobre isso. Um político paulista atacava duramente Ademar de Barros, interventor (1938-1941) governador de São Paulo (1945-1951 e 1963-1966). Amigos o aconselharam a moderar os ataques, lembrando que no futuro eles poderiam até reconciliar-se. “Nunca. Entre mim e o Ademar está o túmulo da minha mãe”, dizia o indignado adversário, que atribuía a morte da mãe, idosa, às perseguições que Ademar lhe infligira. Acontece, porém, que um dia Ademar o chamou para secretário de justiça – e ele aceitou. Depois até apoiaria a candidatura de Ademar à Presidência da República, em 1950. A moral da história, nas palavras de Ulysses: “Como você vê, nas coisas da política nem o túmulo da mãe é algo intransponível”.
Como protagonistas e antagonistas, os políticos são personagens da mesma obra. Os que agem pensando em destruir o outro julgam que ao eliminá-lo terão o enredo só para si. Trata-se de uma ilusão que nunca tem um final feliz.