23.02

A briga política não explica o país. Nossa realidade é mais complexa, e não pode ser traduzida nos esquemas que veem tudo como uma luta de A contra B.

Vandeck Santiago (texto)
Julio Jacobina (foto)

Vou dizer uma coisa que vai surpreender todos vocês: existem apenas 126 municípios do Brasil que desde 2002 vêm registrando ano a ano saldo positivo de emprego, e sabe qual está em primeiro lugar? Arapiraca, no interior de Alagoas. De 2002 a 2015 criou cerca de 21 mil empregos. O segundo lugar apresenta número bem menor: Pato Branco (PR), com 14 mil empregos gerados, e o terceiro, Caldas Novas (GO), ficou na marca de 12 mil empregos criados. Mesmo em 2015, ano de crise, quando o país perdeu 1,5 milhão de empregos, estes 126 municípios continuaram criando vagas. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Previdência Social, e foram divulgados no último dia 21, em Brasília.
Parto do exemplo de Arapiraca – e logo a seguir vou citar outro, desta vez de Pernambuco – para destacar que o Brasil tornou-se um país complexo, que não pode mais ser traduzido em explicações simples. Vejamos o caso de Pernambuco: matéria do Diario desta segunda-feira informou que ano passado 15 mil alunos migraram de escolas privadas para escolas públicas.
No molde de explicações vigente, digamos, há 20 anos, diríamos que esta migração é culpa da crise econômica. No Brasil complexo de hoje é assim: a crise tem influência, sim, mas há uma leva de estudantes que tem ido para a rede pública em busca dos benefícios que ela oferece, como mostram os repórteres Anamaria Nascimento e Max Felipe, autores da matéria. A saber: cotas no vestibular das universidades públicas, bolsas em faculdades privadas e possibilidade de fazer intercâmbio no exterior, por meio do programa Ganhe o Mundo, iniciado em 2011 e que ano passado teve entre seus selecionados estudantes como Matheus Bezerra Gomes (foto), de Salgueiro (Sertão pernambucano), filho de mãe indígena e pai quilombola.
Mesmo quando tomamos a crise econômica como explicação, há nuances a considerar: os que têm migrado por conta disso são principalmente integrantes das classes C e D, população que melhorou de vida nos últimos anos e colocou os filhos em escolas privadas. Já nos educandários que atendem as classes A e B, houve um acréscimo de 3% a 4% nas matrículas. Quem explica é a diretora da Federação Nacional das Escolas Particulares, Amábile Pacios, de Brasília, entrevistada pelos repórteres.
Um terceiro e último exemplo: ano passado o Inep (Instituto de Pesquisas e Estudos Educacionais Anísio Teixeira) divulgou as melhores escolas públicas de ensino médio e as 10 primeiras, olhem só, são todas do Nordeste: seis de Pernambuco, duas do Ceará, uma da Bahia e uma de Sergipe. O ranking foi elaborado a partir das notas do Enem. “A MELHOR escola pública de ensino médio do Brasil fica no sul do Ceará. Em Mauriti. Quantos já ouviram falar dessa pequena cidade?”, escreveu (com “melhor” toda em maiúsculas mesmo) em sua página no Facebook, em outubro, o ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, em cuja gestão foi divulgado o ranking.
Na briga política o Brasil talvez continue dependente das explicações simples, de A contra B, vilões e mocinhos. Mas fora daí o país continua avançando e se transformando, incapaz de ser explicado na visão que vê a realidade apenas sob claros e escuros.