Há oitenta anos, jornalista recifense em busca de novidades tinha que ir mesmo à rua. Não havia internet para buscas e telefone (aquele convencional, de disco) ainda não era um aparelho tão difundido. Uma alternativa era fazer plantão no porto, no aeroporto, na central de polícia e nos hospitais. E foi no Pronto Socorro que um repórter do Diario de Pernambuco encontrou uma personagem interessante, que ao ser atendida para extrair uma espinha na faringe revelou ter nascido na Abissínia (hoje Etiópia) e estar com 114 anos de idade. Em trajes brancos como os das baianas, Fortunata Maria da Conceição morava na Rua do Jasmim, no Pina, onde exercia a função de “mãe” de xangô.

O inusitado de encontrar uma pessoa com tão elevada idade levou o repórter do jornal – não identificado – a marcar uma visita a Fortunata na casa da personagem. O resultado da ida ao Pina ficou registrado na edição do Diario de Pernambuco do dia 1 de fevereiro de 1936. O texto e as duas fotos – de Fortunata sentada e das imagens dos santos – constituem hoje um documento importante sobre a religiosidade afro no Recife na primeira metade do século passado.

Ao repórter, Fortunata falou pouco a respeito de sua história pessoal. Contou que seu verdadeiro nome em língua africana era “Ulefun” e que veio ao Brasil depois da morte do marido. Tinha então 40 anos de idade. Primeiro morou no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador, vindo a fixar sua base no Recife.

Em 14 de outubro de 1937, Fortunata viria a ter uma nova foto no Diario, mas desta vez já identificada como uma expoente de sua religião. Ela participou de uma reunião convocada por Pedro Cavalcanti, do Serviço de Higiene Mental, vinculado à Secretaria de Segurança Pública, que queria aproximar os pais de terreiros e acabar com “abusos” de certos responsáveis por seitas africanas.

Mesmo com a presença do secretário da Comissão de Censura das Casas de Diversão Pública, a reunião serviu para destacar a presença da religião afro no Recife. O Diario lista a presença de 35 pais e mãe de santo. Ao final, Fortunata foi eleita para integrar uma comissão de cinco membros que iria fazer a interlocução com o poder público nos tempos de repressão da ditadura Vargas.

O nome de Fortunata viria ainda a figurar no Diario, em forma de uma pequena nota publicada em 6 de dezembro de 1939. Nela, informava-se que teria comemorando no dia anterior 128 anos de idade, tendo nascido em Adis-Abeba em 1811.

Com o passar dos anos, Fortunata passou a ser conhecida como Baiana do Pina, sendo citada em reportagem do Diario de Pernambuco de 25 de junho de 1967, assinada por Severino Barbosa. É um levantamento de como os terreiros de xangô conservavam a tradição de três séculos no estado.

Ao contrário do que aconteceu no Rio de Janeiro e na Bahia, onde o “culto africano é beleza para turista ver”, em Pernambucano seus integrantes praticavam o culto com fidelidade, longe dos estranhos. Segundo Severino Barbosa, o estado contava ainda com “mil e tantos terreiros”.

Fortunata, a Baiana do Pina, figura na história da religião afro pernambucana ao lado de nomes como Pai Adão e Pai Apolinário, mantendo a autenticidade e o respeito à crença original, sem exibicionismo ou exibição.